Carta a um jovem publicitário em tempos de crise

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A opinião de João Gomes de Almeida
Carta a um jovem publicitário em tempos de crise
24 de Abril de 2020
Carta a um jovem publicitário em tempos de crise
Carta a um jovem publicitário em tempos de crise
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Carta a um jovem publicitário em tempos de crise
João Gomes de Almeida
Managing Partner da Buzziness

Antes de mais, não tens porquê ter medo. A publicidade já passou por muitas crises e somos tipicamente o primeiro setor a entrar em crise e felizmente o primeiro a sair dela. A boa notícia é que por norma voltamos sempre mais fortes. A má notícia é que as crises são sempre mais duras do que aquilo que ao início nos parecem.


O jogo é quase sempre o mesmo: as agências multinacionais vão cortar, algumas até vão mesmo fechar as operações em Portugal. Algumas agências locais vão aproveitar o momento e vão crescer muito. Quando tudo ficar bem outra vez, as multinacionais que agora cortam e desinvestem, vão abrir os cordões à bolsa para comprar as agências locais que explodirem durante a crise. Portanto, o primeiro conselho é pensares local: vê que as agências vão crescer no futuro próximo e investe a tua carreira aí.


As crises têm coisas muito más, mas também têm coisas muito boas. Nas alturas de grandes crises, sobressaem sempre aqueles que preferem aproveitar as coisas boas e que enfrentam com maturidade e altivez as coisas más. Na publicidade, invariavelmente, existe uma triagem muito maior do talento e da capacidade de trabalho - o que é bom. Mas nem uma nem outra destas qualidades são tão bem recompensadas a nível financeiro com noutras alturas o seriam - o que é mau. Aprende, com humildade, a viver com isso. Serás recompensado mais tarde.


O melhor segredo para ter sucesso na publicidade é investires o dobro ou o triplo dos teus pares na tua carreira. A publicidade não é só fazer anúncios, existe uma cultura publicitária que precisas de ter para vencer: lê livros de publicidade, não só os moderninhos sobre marketing digital, mas os grandes clássicos também. Nunca serás ninguém na publicidade sem leres o David Ogilvy, o Jerry Della Femina, o "The Copy Book", o Leo Burnett, o "Tio Olavo" do Edson Atahyde, ou o Bernbach, entre outros.


Nunca serás ninguém se também não conheceres os prémios de publicidade como a palma da tua mão - investe cada euro que te sobre do teu salário a viajar pelo mundo e a conhecer os grandes e pequenos festivais - só assim terás a oportunidade incrível de lidar diretamente com os principais decisores e influenciadores desta indústria. Mas não te esqueças também que temos a sorte imensa de trabalhar num mercado com muita imprensa nacional e internacional especializada - informa-te, ganha vantagem em relação aos teus concorrentes e recompensa o hercúleo trabalho desses jornalistas-irmãos assinando estas revistas e jornais.


Quem, como tu, está agora a começar, tem muitas vantagens neste jogo. A publicidade há 20 ou 30 anos era constituída por yuppies. Gente que das 24 horas do dia passava 18 ou mais horas enfiada nas agências e produtoras. Era uma profissão de prestígio (todas as famílias de betinhos de Lisboa ou do Porto tinham pelo menos um ou dois publicitários) e era um emprego muito bem pago. As Amoreiras estavam polvilhadas de agências com nomes estrangeiros e sonantes, onde trabalhavam jovens executivas e executivos, com bom aspecto e vestidos de forma descontraída - algo impensável na época. Toda gente queria trabalhar em publicidade.


Eram tempos de grande concorrência no mercado e em que os consumidores estavam muito atentos a tudo o que se passava na publicidade. Um dos grandes executivos publicitários do nosso mercado recordou-me uma vez, com alguma nostalgia, que este era o tempo em que o "share of voice era igual ao market share". Trocando por miúdos, bastava às marcas investir em publicidade para que automaticamente estivessem a conquistar mais consumidores. A má notícia: maior concorrência era igual a maior dificuldade em ascender na carreira. Felizmente, não irás passar por isso.


Quem, como eu, começou na publicidade há 10 anos, nasceu para a nossa profissão num mundo muito diferente. Estávamos intervencionados por uma Troika de credores internacionais, vivíamos uma crise profunda e o mercado da publicidade sofria uma dupla retração: antes de mais, por causa do clima económico hostil, mas também porque as agências não estavam preparadas para lidar de forma consistente com o digital. Foi no meio desta confusão que eu e outros publicitários, criativos ou executivos, conseguimos construir a nossa carreira. Mas os que o fizemos com sucesso só o conseguimos com entrega e resiliência - muitas vezes imitando os hábitos daqueles que há 20 ou 30 anos traçaram o nosso presente e futuro. Trabalhar demasiado compensa sempre mais do que trabalhar de menos.


A tua geração - pelo que conheço, quer como empregador, quer como professor - é muito diferente. És da geração que trocou o "work hard, play harder" pelo "work-life balance". Ou, por outras palavras, és da geração de publicitários que trocaram as noitadas e os "old fashioned" (se não sabes o que é vê o MadMen), pelo horário das nove às seis e pelas tostas de abacate. Os tão mal-afamados "millennials". A geração que quer "viver a vida", viajar até ao Vietnam para se encontrar e ter um emprego com um "propósito", seja lá isso o que for. A geração que já não olha para o seu início de carreira como o grande foco da sua vida.


Se te reviste no parágrafo de cima, tenho más notícias para ti. Tal como a minha geração e as anteriores foram moldadas pelo clima económico em que nasceram e em que cresceram, a tua também. Os próximos anos serão mais parecidos com 2011, 2012 ou 2013, do que com os últimos 5 anos do Portugal cool e cosmopolita onde achavas viver. Habitua-te a isso, revê a tua postura e irás superar a crise.


Não vás mais a uma entrevista de trabalho dizer que "vou pensar porque ainda tenho que falar com os meus pais", ou que "vou começar só daqui a um mês porque tenho uma viagem para a neve", ou que "posso começar já, mas tenho que tirar férias no próximo mês porque tenho um mochilão na América Latina". Não adies participar num prémio de jovem publicitário porque um "familiar faz anos", ou porque queres é "acabar a tese de mestrado". Infeliz ou felizmente, esses tempos já acabaram. O foco agora terá que ser na tua carreira. Ou isso, ou o desemprego.


Um último conselho: não penses demasiado na crise, porque se o fizeres serás contagiado pelo pessimismo e nunca terás força anímica para vencê-lo. As crises encaram-se de frente e com trabalho.


O grande publicitário brasileiro Nizan Guanaes disse um dia, num discurso, quando foi padrinho de uma turma de finalista de uma faculdade: "Trabalhe! Muitos de seus colegas dirão que você está perdendo sua vida, porque você vai trabalhar enquanto eles veraneiam. Porque você vai trabalhar, enquanto eles vão ao mesmo bar da semana anterior, conversar as mesmas conversas. Mas o tempo, que é mesmo o senhor da razão, vai bendizer o fruto do seu esforço, e só o trabalho lhe leva a conhecer pessoas e mundos que os acomodados não conhecerão". É exactamente isto. É só isto que precisas para vencer na crise.


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