
Newsletter
Pesquisa

A Europa encontra-se num daqueles momentos raros em que a história deixa um aviso claro: ou muda de velocidade, ou arrisca-se a perder, literalmente, o comboio do progresso e da modernidade.
A sensação difusa de estagnação tem expressão contundente nos relatórios de Mário Draghi e Enrico Letta, duas análises independentes que, em conjunto, traçam um diagnóstico incontornável: a Europa está a perder competitividade, escala e relevância no palco internacional.
Draghi é particularmente direto ao afirmar que a União Europeia sofre de “subinvestimento crónico”, sobretudo em setores estratégicos como a energia, a tecnologia, a digitalização e a defesa. Os números confirmam a tendência: enquanto os Estados Unidos e a China aceleram os investimentos e consolidam políticas industriais robustas, a Europa continua presa a processos lentos, fragmentados e uma regulamentação desadequeada. A consequência é simples: quem investe tarde, chega tarde.
Enrico Letta acrescenta outra dimensão crucial: o mercado interno europeu, outrora um símbolo de integração, tornou-se demasiado pequeno face às exigências das cadeias globais de valor e da concorrência tecnológica. A sua proposta é incisiva: aprofundar verdadeiramente o mercado único, abolir barreiras internas e criar condições para que empresas europeias cresçam com escala intercontinental. Defende, assim, a introdução de uma quinta liberdade a acrescentar às quatro tradicionais do mercado único: a liberdade de circulação do conhecimento, assegurada por políticas que incentivem a investigação e a inovação transfronteiriça. Para Letta, “fragmentação” é hoje a palavra que melhor define o problema europeu; e também a que mais custa ultrapassar.
A perda de competitividade não é apenas económica, mas sobretudo estratégica. Quando a Europa depende de terceiros em domínios variados como tecnologia, energia, matérias-primas ou defesa, perde autonomia, capacidade de influência e mesmo relevância.
A título de exemplo, a comparação global do investimento em inteligência artificial revela, de forma inequívoca, o atraso europeu. Enquanto os Estados Unidos e a China mobilizam capital privado de forma massiva e constroem infraestruturas de computação de escala quase ilimitada, a Europa continua a investir a um ritmo demasiado lento. Importa reconhecer que, já este ano, a Comissão Europeia (CE) anunciou estratégias para acelerar a inteligência artificial (IA) na indústria e na ciência, no âmbito do AI Continent Action Plan. Ainda assim, é necessário acelerar ‘o passo’. A Europa produz ciência de excelência, mas transforma demasiado pouco em inovação comercial; financia projetos, mas dispersa recursos por estratégias nacionais desconexas. Em resultado, sem ambição tecnológica, a Europa arrisca tornar-se uma mera utilizadora da próxima geração de inteligência artificial.
A Europa precisa, pois, de mudar. Desde logo, recuperando escala, atuando em bloco em vez de uma soma de estratégias nacionais avulsas que frequentemente se contradizem. Uma nova política industrial europeia deixou de ser uma opção e passou a ser uma necessidade, e uma eficaz cooperação e coordenação entre Estados-Membros é imprescindível.
É, igualmente, premente um choque de investimento. Draghi fala de um montante comparável a um “Plano Marshall verde e tecnológico”, capaz de reconfigurar infraestruturas, energias limpas, inteligência artificial e sistemas de produção avançados. O que está em causa não é apenas a modernização da economia, mas antes garantir que os próximos ciclos de inovação tenham como epicentro o território europeu.
Acresce que a Europa não pode pretender ser competitiva com um enquadramento regulatório que desencoraja a inovação e afasta investidores. A proteção é necessária, mas não pode ser sinónimo de imobilismo. A revisão profunda das regras do mercado único, como defende Letta, seria um passo importante para devolver agilidade ao projeto europeu. E as regras devem ser iguais para todos.
Por fim, a Europa terá de reencontrar uma narrativa comum. Nenhuma estratégia económica sobrevive sem um propósito político. Os desafios da transição energética, da transformação tecnológica e da defesa europeia podem e devem ser motores de unidade. A competitividade não pode ser vista como uma batalha de empresas, mas como uma ambição coletiva, orientada para garantir prosperidade, autonomia e futuro.
O diagnóstico está feito. Falta o essencial: os líderes europeus assumirem e implementarem a mudança.
Artigos Relacionados
fechar

O melhor do jornalismo especializado levado até si. Acompanhe as notícias do mundo das marcas que ditam as tendências do dia-a-dia.
Fique a par das iniciativas da nossa comunidade: eventos, formações e as séries do nosso canal oficial, o Brands Channel.