Sempre adorei biografias, de todos os tipos, de fotógrafo de guerra à cantora de ópera.

Quanto mais reviravoltas na vida e menos linear o caminho for, mais interessante o livro é. Mas na prática, reviravoltas nem sempre são bem-vindas. Principalmente quando o assunto é vida profissional.

Quando olho para o meu próprio caminho profissional percebo que foi sempre bem linear. Apesar de ter mudado de países várias vezes e de empresas ainda mais, nunca tive outra profissão. Nunca trabalhei meio período em um restaurante enquanto estudava, nunca fui empreendedora, nunca estive em um outro papel sequer que não fosse numa agência de publicidade. Talvez a minha biografia fosse um pouco chata neste aspecto.

Percebo hoje em dia uma mudança fundamental de como vemos a experiência versus a especialidade. Ser um “expert” em um determinado campo talvez seja menos importante do que ter experiência em diversos.

Isso faz me lembrar daquela pergunta que se fazia às crianças: o que você quer ser quando crescer? Tínhamos que optar por uma coisa, afinal, ser bailarina, comissária de bordo e estilista de moda não era a resposta adequada. Porém, vejo cada vez mais profissionais a experimentarem diferentes carreiras. E não estou falando só de pessoas com uma crise depois de 25 anos numa mesma profissão. Numa pesquisa conduzida pelo site de recrutamento “ZipRecruiter” menos da metade dos profissionais com idade inferior a 34 anos disseram ter planos de permanecer na mesma atividade. Enquanto uma outra pesquisa feita pelo site Indeed, esta sim feita com profissionais atuantes no mercado em diversas faixas etárias, mostrou que 49% dos entrevistados fizeram uma mudança drástica de carreira, por exemplo, de marketing para engenharia. Entre aqueles que continuaram na mesma profissão, 65% disseram que já pensaram sobre uma mudança ou ainda estão a planear uma outra carreira para o futuro.

Há diversos fatores que podem levar a uma decisão dessas. O primeiro e mais óbvio é a insatisfação com a carreira atual, mas nessa mesma pesquisa do site Indeed, outro fator aparece quase empatado como a razão para a mudança: flexibilidade. Profissionais estão considerando uma mudança de carreira e em muitos casos até uma redução de salário se esta nova profissão proporcionar mais tempo livre ou trabalho remoto.

Seja qual for o impulso provocador da mudança - vontade de empreender, a busca por menos stress ou por um desafio ainda maior, mais autonomia - é preciso coragem. Cada vez mais vejo pessoas próximas a mim a darem este passo. Tenho uma amiga ilustradora que trabalhou comigo numa agência e que hoje é uma empreendedora, dona de um restaurante/sala de concertos/ atelier - um dos lugares mais descolados de Lisboa. Uma outra migrou do marketing de uma empresa para um negócio de closet compartilhado. Tenho dois amigos que saíram de uma produtora - ele diretor de filme, ela diretora de produção - para abrirem um espaço que promove cultura, gastronomia e música num dos endereços mais elegantes de São Paulo. Outra amiga não mudou completamente de campo, mas depois de décadas como diretora criativa bem sucedida no Brasil, foi empreender em outro país como criadora e gerenciadora de conteúdo em uma agência fundada por ela. Conheço uma outra pessoa que largou um emprego num banco da Suiça para abrir uma empresa de turismo numa ilha do Canadá. E os nomes que vem à minha cabeça não param por aqui.

Isso não quer dizer que todas estas pessoas começaram do zero numa nova etapa profissional.

O ponto chave é se definir menos por um único papel e olhar para o conhecimento adquirido. Este sim não está preso a um determinado campo ou profissão. Muitas opções irão se abrir quando percebermos ter a capacidade de transferir conhecimento de uma área para outra, agregando um valor diferenciado de alguém que traz uma bagagem única para qualquer que seja a nova empreitada.