Porque não ganhamos em Cannes? E isso importa?

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A opinião de Susana Albuquerque
Porque não ganhamos em Cannes? E isso importa?
13 de Agosto de 2018
Porque não ganhamos em Cannes? E isso importa?
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Porque não ganhamos em Cannes? E isso importa?
Susana Albuquerque
Diretora Criativa Uzina Lisboa

Em resposta ao João Coutinho


Estava de férias na praia quando li este artigo do João Coutinho. Se alguém pode falar sobre ganhar em Cannes é o João, que tem cometido a proeza de ganhar leões (e muitos) há vários anos consecutivos em 2 países e 3 agências diferentes. Antes disso, tinha visto esta peça do Edson Athaíde e nas últimas semanas encontrei este artigo do João Gomes de Almeida. Como se diz agora, fiquei com vontade de me juntar à conversação. Porque não ganhamos mais leões em Cannes? E em que medida isso nos importa?

Eu acho que ganhamos poucos leões porque não estamos para aí virados. A maioria de nós, em Portugal, trabalha na periferia de Cannes. Creio que Cannes se tornou um mercado em si mesmo, com a sua agenda política, as suas tendências e os seus valores. Quem vai para este mercado para ganhar, muito e sempre, tem que entender bem as regras, e estar disposto a chegar lá com uma mala cheia de suor, ideias boas e dinheiro para poder competir.

“Estar para aí virado” é um recurso de estilo, significa ter a agulha da bússola virada para Cannes todos os dias. Quem faz isso, de verdade, em Portugal? Quase ninguém tem essa ambição e essa pressão em cima da mesa o ano inteiro. Se ganhar pouco em Cannes é um problema, e vamos assumir que sim porque gastamos dinheiro nas inscrições, então teremos que concordar que o problema começa connosco, agências. Ganhar em Cannes não é a nossa principal prioridade. Temos outras, tão nobres e legitimas como essa.

Claro que existem agências e estúdios de design que fazem bom trabalho em Portugal. Claro que existe muito talento. Mas para ganhar em Cannes isso não chega. É preciso fazer bom trabalho segundo o que Cannes acha que é bom trabalho. Ultimamente, Cannes tem sido sobre o propósito das coisas - a responsabilidade social, a sustentabilidade, a igualdade de género, a inclusão de minorias – e sobre a tecnologia, tudo feito com uma exigência artística que quase nunca ninguém está disposto a pagar em Portugal. Mas claro que existem leões em Portugal de vez em quando. Só não trabalhamos suficientes vezes para Cannes segundo as regras de Cannes para cumprir esse desígnio de fazer de Portugal uma máquina de trazer leões.

Tenho que abrir um parêntesis para confessar que acho que há algo salutar na nossa postura. Revela integridade na profissão. Mas também revela alguma candura. Em Portugal, o carro ainda não vai à frente dos bois. Primeiro trabalha-se para os pedidos dos clientes, e depois, se no processo conseguimos sacar e aprovar uma boa ideia, inscrevemos em Cannes. Se ganhamos, ficamos contentes. E se não ganhamos, paciência. Não rolam cabeças quando não ganhamos, nem conseguimos carreiras estratosféricas quando ganhamos. Não ocupamos esse palco. Estamos entregues ao alinhamento dos planetas cliente/oportunidade/talento, e a prova disso é que em 2016 ganhámos 8 leões. Somos capazes quando nos deixam, e vivemos bem com isso. Mas esta postura também traduz alguma ingenuidade. Para muitos países, sobretudo para as multinacionais desses países, importa mostrar que se é capaz, mesmo quando não nos deixam. Ganhar em Cannes tornou-se um objectivo em si mesmo, uma obsessão materializada num número redondo anual de leões que é preciso cumprir, e quando não há briefings dos clientes para ganhar leões, as agências são incentivadas a criar briefings e condições para que esse trabalho possa existir. Porque o negócio e a carreira de cada um depende, e muito, disso.

Por isso, em Junho, com a nossa integridade ingénua, quando vemos o melhor do mundo vir de muitos lugares diferentes, ficamos com pena que ele não venha mais vezes de Portugal. Mas Cannes não é o festival da representatividade geográfica, Cannes é sobre querer muito ganhar Cannes. Parece fácil, mas mesmo querendo muito, é difícil.

O que nos leva à pergunta de um milhão de dólares: que importância tem ganhar em Cannes? É melhor continuar a trabalhar para o dia-a-dia, afinal é isso que o cliente quer e o que nos paga as contas, ou devemos entrar neste jogo de produzir trabalho cujo público-alvo é um júri de publicidade muito exigente?

Creio que a resposta, para Portugal, estará algures numa via do meio. Não temos os recursos e a pressão que levam mercados maiores a inventar trabalho que não existe, e aleluia por isso. Mas Cannes também é sobre sonhar, o que é muito importante na nossa profissão. Cannes é sobre as melhores das possibilidades, é sobre o bom trabalho que se faz hoje e sobre o trabalho que gostávamos de fazer mais vezes num futuro próximo. Talvez fosse bom para todos nós não trabalhar unicamente para o dia-a-dia que nos pedem, e trabalhar também para sonhar e fazer sonhar, e ir inventando pelo caminho o que queremos que a nossa profissão venha a ser. Porquê não reclamar esse papel para Portugal? Isso está a acontecer agora. Porquê ficar de fora?

Se os clientes precisam de agências, é porque elas têm talento e diversidade de pontos de vista, isso que acrescenta valor ao que se planeia fazer, ao que se pensa e ao que se pede dentro das 4 paredes de um departamento de marketing. As agências ainda têm essa capacidade de sonhar, de imaginar cenários além do estudado e do previsível, e de fazer sonhar os outros. Talvez seja o momento de tocar essa flauta mais vezes para além das que nos pedem. Talvez nasçam projectos mais elevados, mais livres, mais arriscados, com resultados que não conseguimos prever com exactidão, entre eles algum tipo de magia. Como ganhar mais Leões em Cannes, por exemplo.


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