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A indústria da restauração e bebidas em Portugal é um mundo de experiências únicas. Ao olharmos para este setor dinâmico, constatamos que cada vez mais enfrenta desafios significativos.
Em março de 2023, notícias publicadas apontavam para uma crise na restauração. O problema não é de agora, nem é estritamente português. A National Restaurant Association (Estados Unidos) indica que cerca de 60% dos restaurantes fecham nos primeiros três anos. E a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes aponta que, por cada 100 estabelecimentos, 35 fecham até dois anos após a abertura.
É muitas vezes o desconhecimento das particularidades da gestão da restauração e bebidas que leva ao rápido fecho do negócio, sem que o próprio empresário nem os colaboradores tenham percebido o porquê. Há algumas respostas no vídeo "What It Costs To Run a Restaurant", um retrato detalhado dos custos envolvidos na gestão de um restaurante.
Nos trabalhos que realizo em empresas de restauração e hotelaria, apoiando o crescimento sustentável dos negócios, deparo-me com algumas questões recorrentes:
1. “O meu Restaurante serve o que eu gosto”
O empresário serve-se a si e não ao mercado. “Fiz este negócio porque achei que seria uma boa ideia”, “sirvo o que quero e gosto”, “se meus amigos gostam, então outras pessoas vão gostar”, o problema é que não é assim que funciona.
A família e os amigos não fazem o negócio, aliás muitas vezes nem pagam, nem chegam para o tornar viável. Estar ao serviço do Cliente é a génese de qualquer negócio.
É fundamental responder a questões básicas como: Porquê este conceito? Para quem? A que preço? Onde? Como implementar?
2. “A gestão de restauração e bebidas é afinal complexa”
E é mais ainda para quem desconhece o tema. Não basta acreditar que cozinhar bem e ter uma boa localização é o suficiente para a magia acontecer. O dia-a-dia é desgastante e facilmente nos perdemos com os pormenores da operação. A falta de conhecimentos e foco para uma gestão sólida, incluindo planeamento financeiro, controlo de custos e vendas, sustentabilidade, liderança efetiva, entre outros, contribui para esse cenário. Exemplo: saber quantificar (e valorizar!) a diferença entre um empregado de mesa vs. um carregador de pratos, ou um cozinheiro com ou sem formação, afere a competência do empresário/gestor.
3. Escolha errada da localização
A importância da localização é estratégica. “Vou abrir um sushi porque não há nenhum no bairro”. Será que isto chega para justificar a abertura do negócio?
Convém avaliar o contributo de uma renda mais elevada, e qual o impacto na longevidade do negócio. Em Portugal, dados do INE revelam que restaurantes em áreas turísticas tendem a ter melhor desempenho. Haverá potencial no mercado local? Dados sobre a sazonalidade turística ajudam a compreender o impacto causado pelas variações dos fluxos e do poder de compra dos diferentes segmentos.
4. Desconhecer o tamanho do mercado
Antes de olhar para dentro é necessário olhar para fora e avaliar o nível de saturação da oferta vs. procura. O aumento significativo de restaurantes nos últimos anos significa que a concorrência é feroz, e as oportunidades também.
É crucial analisar se há mercado suficiente (interesse, poder de compra, quantidade e regularidade) para se obterem resultados positivos. É básico, mas não é usual ver esta avaliação feita à priori, e, portanto, o tempo de vida do estabelecimento fica desde o início comprometido.
A quantos Clientes preciso de vender por dia (ou hora) este produto, e a este preço, para poder encarar os meus custos operacionais, de investimento e recolher resultados? A minha estimativa é razoável?
5. O Menu é inadequado
Convém ponderar se a oferta responde às necessidades, expectativas e desejos do público-alvo. Muitas vezes vende-se barato demais (o Cliente pagaria mais se lhe fosse pedido); a oferta é demasiado grande (só complica incluir no Menu tantos artigos); a dispersão leva à não especialização e a custos elevados (querer agradar a todos para no final não agradar ninguém) e a micro diferenciação afunila mercado.
Tantas vezes a produção é desnecessariamente complexa (com demora de serviço e perda de rotatividade) e o grande volume de clientes pode ser um inimigo da rentabilidade (convém medir se não é mais vantajoso vender a menos quantidade de pessoas para o fazer melhor e mais caro).
A engenharia de Menus é uma ferramenta simples que deveria ser utilizada com regularidade para se evitar erros e promover a inovação com maior previsibilidade.
6. Desconhecer como se mede o sucesso
É dificilíssimo que um restaurante consiga 10% de margem de rentabilidade. Será que este indicador é conhecido por quem tem ou gere negócios de restauração e bebidas?
Não se pode gerir o que não se mede e, muitas vezes, não são conhecidos (nem medidos) os indicadores de gestão específicos deste negócio, quer os quantitativos como os qualitativos. O “achómetro” não é suficiente quando a margem média é tão baixa. Basta que os desperdícios não sejam bem calculados, e não estejam incluídos no cálculo do custo do produto produzido, para que o erro no apuramento do preço de venda comprometa a lucratividade.
7. Pouca capacidade para liderar pessoas
“100% dos clientes são pessoas e 100% dos colaboradores são pessoas. Se não entende de pessoas, não entende de negócios”, alerta o autor Simon Sinek. Neste setor, a perceção do Cliente é muitas vezes mal compreendida levando a que as críticas sejam tratadas ao nível do foro emocional. A assertividade e o brio traduzem-se na experiência e na memória do Cliente, com consequente sucesso de todos.
8. Fraca consistência
Um dia o prato servido é delicioso, no outro não é… Depois da difícil tarefa de atingir métricas é necessário algo ainda mais difícil - manter o nível alto: quer na capacidade de angariação (e manutenção) de clientes, como na qualidade dos produtos e serviços prestados, e na satisfação dos colaboradores e demais stakeholders.
Neste setor, a lógica de lucro rápido e a crença da obtenção de resultados altos a curto prazo comprometem a longevidade do negócio; errar é fácil e paga-se caro.
9. Incapacidade para inovar
Fidelizar e surpreender cada Cliente é muito difícil, porque os Clientes adoram novidades e experiências gastronómicas diferentes. A inovação é essencial para o sucesso de curto e longo prazo, não se pode adormecer já que as velhas soluções não resolvem os novos problemas. A mudança rápida das preferências dos consumidores e a resposta dos concorrentes impõe que o diferencial seja claro, com capacidades competitivas ao nível da inimitabilidade, raridade, mais valor e qualidade. Saber lidar com o marketing digital e com a gestão da reputação online são também fatores críticos para o sucesso.
10. Falta de formação continua
O empreendedor / empresário e todos os envolvidos no negócio precisam de estar atualizados. A aprendizagem ao longo da vida e a capacitação de boas práticas de outros setores económicos são enormes mais valias. A maturidade vem com mais conhecimentos e técnicas que permitirão dar passos certeiros nas várias fases do negócio. Porque abrir, e manter aberto, um restaurante não é mais fácil que outro negócio, diria até que pelo contexto global e especificidades é mais difícil.
Dicas
O canal YouTube Restaurantowner disponibiliza recursos que ajudam a entender os motivos por detrás deste fenómeno. Para mais conteúdos valiosos recomendo, entre outros, os cursos da Academia Digital do Turismo de Portugal e a análise de dados estatísticos que, quando combinados adequada e regularmente, apoiam quem tem interesse no setor ou está com um negócio em mãos e quer robustecer os resultados.
Conclusão
Para um restaurante ser bem-sucedido não há uma receita única. À medida que mergulhamos nas estatísticas e análises, compreendemos o quão trabalhoso e complexo é o negócio da restauração e bebidas (também em Portugal). E fica claro que um negócio neste setor requer muito mais do que paixão pela gastronomia, são necessários conhecimentos específicos para cozinhar estratégias competentes e servir táticas focadas na gestão.
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