Ódio de estimação

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A opinião de Susana Albuquerque
Ódio de estimação
23 de Julho de 2019
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Ódio de estimação
Susana Albuquerque
Diretora Criativa Uzina Lisboa

Entre 17 e 20 de Julho, fui uma das mentoras do 8º Creative Express, um projecto do ADC/E que juntou 32 jovens criativos de 16 países europeus para trabalhar durante 48 horas num briefing do turismo de Riga. Portugal esteve bem representado pelo Ruben de Barros da Havas e pelo André Martins da Comon. Quando chegamos, pediram aos mentores para fazer um discurso de motivação e inspirar as equipas a dar o seu melhor. Não me atiraram tomates no fim, por isso decidi partilhar aqui o texto.



“Na semana passada recebi um mail do H.P. onde nos pedia um discurso de motivação para abrir o Creative Express. 5 ou 10 minutos para vos inspirar a fazer bom trabalho. Eu estava de férias quando recebi o email e odiei a ideia. Não me levem a mal. Adoro a oportunidade de passar estes dias com vocês, mas odeio discursos. Odeio ainda mais os discursos de motivação. Porque eu luto muitas vezes para me motivar a mim própria. Há mais de 20 anos que trabalho em publicidade e continuo a fazer a mesma pergunta: e hoje? Odeio a publicidade ou adoro a publicidade?

Confesso. Muitas vezes, odeio a publicidade. Odeio-a de querer vender a casa e mudar-me para o campo, plantar batatas, abrir um restaurante, não voltar a pensar em anúncios.

Odeio trabalhar no negócio de interromper as pessoas. Odeio meter-me no meio do que elas querem ver. Até nós, quando vamos ao youtube ver um bom anúncio, temos que ver um anúncio mau antes.

Odeio muitos anúncios que vejo, porque são chatos. E odeio muitos anúncios que não vejo, porque são invisíveis.

Odeio a gritaria e a urgência: “Compre já! Não perca!”

Odeio o egoísmo criativo: quando obrigamos as pessoas a ver um anúncio para lhes vender alguma coisa e não somos capazes de lhes dar algo em troca, nem que seja um sorriso.

Mas há uma coisa que odeio mais: o desperdício de tempo, dinheiro e talento. As horas extra na agência, as discussões com os accounts, equipas, clientes e realizadores, a electricidade que gastamos, os A2 que saem da impressora, os pastéis de nata nas reuniões, os duches de manhã à procura da solução para o briefing, pensar que tudo isso pode resultar numa ideia que sai para a rua e pufff… ninguém reparou, não serve para nada, não aquece nem arrefece.

Mas às vezes eu adoro a publicidade. Na verdade, adoro a publicidade na maior parte dos dias. É um amor irracional, quase me faz esquecer que isto é um trabalho.

Já pensaram como ganhamos o salário? Algumas pessoas salvam vidas, outras conhecem bem as leis, outras conduzem camiões a noite toda, enquanto nós somos pagos para ter ideias.

Adoro o poder de tocar as pessoas. Há gente que ri e há gente que chora por causa de um anúncio.

Adoro trabalhar numa profissão que nos permite usar tanto do que somos. Se gostas de fazer rir, na publicidade podes fazer rir milhões. Se gostas de dar que pensar, consegues pôr pessoas a mudar de ideias. E não falo só de mudar de ténis ou de marca de cerveja. Falo de convencer gente a ser menos racista, por exemplo.

Gosto muito que o nosso trabalho deixe pegada, para o bem e para o mal. Se fizeres uma campanha com uma mulher objecto, estás a perpetuar a ideia da mulher objecto. Se fizeres uma campanha com uma mulher astronauta, talvez mais mulheres queiram ser astronautas.

Adoro que as pessoas digam “uau!” sobre alguma coisa que tu fizeste, como acontecia quando eras miúdo e fazias um desenho espectacular.

Adoro que sejamos capazes de criar marcas, e que uma marca signifique alguma coisa para além do produto. Que o nosso trabalho seja dar alma a coisas aborrecidas. Deve ser como trabalhar na Pixar, quando eles nos põem a simpatizar com aquele candeeiro que aparece no início dos filmes.

Há pouco tempo discutia com um colega, que insistia que o nosso trabalho é sobretudo informar as pessoas. Discordo. Nós estamos mais próximos da magia do que do jornalismo, e adoro isso. Nós criamos ficções a partir de factos. Os factos têm que ser bons, mas se as ficções forem muito boas, pode parecer Hollywood ou poesia.

Adoro que esta profissão ainda consiga atrair gente talentosa, com coisas interessantes para dizer e para mostrar.

Adoro que criemos narrativas que interessam às pessoas. E adoro que estas narrativas tenham valor. Podemos fazer as acções de uma empresa subir ou descer por causa das histórias que contamos. Pelo menos nos Estados Unidos eles conseguem fazem isso.

É por isso que adoro a publicidade quando não odeio a publicidade. E quando a odeio, faço o que posso para transformá-la em algo que eu gosto. Espero que consigam fazer o mesmo com os vossos projectos.

Obrigada.”

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