O meu PC é chinês (e nem dei por isso)

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A opinião de Joana Santos Silva
O meu PC é chinês (e nem dei por isso)
2 de Junho de 2025
O meu PC é chinês (e nem dei por isso)
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O meu PC é chinês (e nem dei por isso)
Joana Santos Silva
CEO do ISEG Executive Education
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Há uns anos, comprar um produto chinês era sinónimo de preço baixo e qualidade duvidosa. Hoje, é perfeitamente possível que o seu computador pessoal — onde trabalha, estuda, cria — seja chinês... e que nunca tenha pensado nisso. Ou melhor: que nunca se tenha apercebido disso. O meu é um Lenovo. E o seu?

Estamos perante uma mudança de paradigma. A ascensão das marcas chinesas deixou de ser uma previsão futura e tornou-se um facto consumado. No retalho, como já escrevi nesta coluna, vemos a Shein ou a Temu a conquistar audiências ocidentais com uma rapidez inédita. Nos automóveis elétricos, a BYD já ultrapassou a Tesla em unidades vendidas. E agora, no silencioso mundo dos computadores pessoais, a revolução já aconteceu — e passou-nos ao lado.

A Lenovo é hoje a maior fabricante mundial de PCs, com cerca de 24% da quota global de mercado em unidades vendidas. Superou HP, Dell, Apple e todas as outras marcas que os consumidores ainda associam à “inovação ocidental”. Mas não se trata apenas de escala. A transformação da Lenovo é, ela própria, um case study de como se cria uma marca global a partir da China — não por imposição, mas por mérito.

De OEM a OBM: a curva do sorriso

A chamada “smiling curve” ajuda-nos a entender este fenómeno. Inventada por Stan Shih, fundador da Acer, representa o valor criado ao longo da cadeia de valor de um produto. O fabrico está no meio da curva — com baixo valor acrescentado. As pontas, onde reside o verdadeiro poder, são o design (início) e a marca/distribuição (fim). Durante décadas, as empresas chinesas ocuparam o meio: OEMs (Original Equipment Manufacturers), que produziam para terceiros. Mas a Lenovo foi uma das primeiras a mover-se para a frente da curva — tornando-se um OBM (Original Brand Manufacturer) com presença global.

A aquisição da divisão de PCs da IBM, em 2005, foi um momento fundador. Mais do que comprar fábricas ou produtos, a Lenovo comprou marca, reputação, know-how e canais de distribuição globais. E soube integrá-los com uma visão cosmopolita e pragmática: uma estrutura de gestão multicultural, centros de decisão descentralizados, equipas locais e a decisão estratégica de tornar o inglês a língua oficial da empresa. Uma multinacional de origem chinesa com sotaque global.


Um gigante com ambição de transformação

Ser líder em PCs já não basta. Com margens a baixar e ciclos de vida mais longos, o hardware está a tornar-se uma “commodity”. A resposta da Lenovo foi ambiciosa: redefinir o negócio, apostando numa transformação digital e orientada para serviços — o chamado modelo 3S: Smart Devices, Smart Infrastructure e Smart Services.

Em 2021, criou o grupo SSG (Solutions and Services Group), com o objetivo de duplicar a margem líquida da empresa em três anos. Isto num contexto em que 90% das receitas vinham ainda do hardware. Uma aposta arriscada? Sim, mas estratégica. O segmento SSG está a crescer a dois dígitos, com margens operacionais acima dos 20%, muito superiores às do negócio tradicional de PCs.

O portfólio atual inclui serviços geridos (Managed Services), Device-as-a-Service (DaaS), soluções turnkey e plataformas inteligentes, onde o cliente pode subscrever — e não comprar — a tecnologia. O PC torna-se um serviço, como o streaming ou o SaaS. Mais flexível, mais adaptável, mais rentável. E menos substituível.

Em maio de 2024, a Lenovo anunciou que 45% das suas receitas já vinham de áreas não relacionadas com PCs. E mais: duplicou os lucros trimestrais e registou crescimento em todos os segmentos de negócio. A aposta nos AI PCs — equipados com assistentes pessoais inteligentes — marca o início de um novo ciclo de inovação. Este não é apenas o maior fabricante mundial de portáteis; é uma empresa que está a transformar radicalmente o conceito de computador pessoal, antecipando-se a uma nova era de produtividade orientada por inteligência artificial.

Inovação, sim. Mas também operação e gestão

Muitas vezes, confundimos inovação com design futurista ou campanhas publicitárias ousadas. Mas a inovação na Lenovo é estrutural: está na cadeia de abastecimento, no modelo de gestãoe na digitalização dos processos. Em plena pandemia, quando a indústria colapsava com falta de chips e logísticas desfeitas, a Lenovo foi destacada pela Gartner como uma das 20 empresas com a melhor supply chain do mundo. Foi também pioneira no uso de machine learning e big data para criar um sistema próprio de Supply Chain Intelligence (SCI), permitindo decisões quase em tempo real e ajustadas à procura — em mais de 180 países.

Estamos, portanto, perante um caso raro de uma marca chinesa que não apenas compete com os melhores do mundo — mas que os ultrapassa em consistência, eficiência e visão.

O elefante na sala: e se fosse uma marca americana?

Há aqui uma provocação inevitável: se a Lenovo fosse americana, estaria a ser celebrada como a nova Apple? Teria a capa da Fast Company, a admiração da Wired, o estatuto de “tech darling” em Silicon Valley?

A verdade é que ainda temos dificuldade em aceitar marcas chinesas como protagonistas da inovação. A suspeição geopolítica, a memória industrial do “Made in China” e a própria complexidade identitária da Lenovo (é chinesa, mas com sede em Hong Kong e operações nos EUA, Europa e Índia) dificultam uma narrativa simples. Mas talvez isso seja parte da sua força: é um híbrido, uma ponte entre mundos, e uma prova viva de que o centro de gravidade da tecnologia está a mudar de hemisfério.

Conclusão: e se olhássemos melhor?

Não se trata de idolatrar a China ou esquecer os desafios — desde a concorrência desleal até às tensões políticas reais. Mas ignorar o que está a acontecer é, no mínimo, míope. A Lenovo é apenas um exemplo (e que exemplo!) de como as marcas chinesas estão a subir na cadeia de valor, a liderar pela inovação e a desafiar os nossos preconceitos de consumo.

Por isso, da próxima vez que abrir o seu portátil, olhe para o logo. E pense: quantas outras marcas “chinesas” já fazem parte do seu quotidiano — mesmo sem se dar conta?

 

 

Apple

HP

Lenovo

Gama

-

+ (especialmente noutros equipamentos)

++

Unidades Vendidas

-

22,9M*

+

53M

++

61,8M

Preço

--- (mais caro)

+ (gama alargada)

++ Gama alargada e competitiva

Customização

-

-

+

Reputação

++

+

+ (assegurada tambem pelo aquisição da gama ThinkPad da IBM)

Durabilidade

-

+

++

Design

++

-

+

Uso Profissional

-

++

++



*unidades de venda em 2024

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