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Assistimos a mais um momento inquietante na história da humanidade. Entre sobressaltos políticos e sociais, agudizasse novamente a guerra como fator determinante das nossas economias, exigindo-nos avultados investimentos na defesa (armamento), comprometendo outros mais lógicos na resiliência das empresas e na segurança (como adaptação a riscos climáticos ou cibersegurança) e na qualidade de vida das pessoas (saúde, bem-estar e proteção social).
Para agravar, assistimos, ao nível europeu, a um recuo regulatório na área da sustentabilidade (pacote omnibus) que pode comprometer anos de integração, investimento e adaptação de uma agenda progressista. A recente suspensão da Green Claims Directive pela Comissão Europeia ilustra perfeitamente este dilema: como equilibrar competitividade económica com responsabilidade ambiental num cenário de crescente incerteza?
Este paradoxo não é acidental. Resulta essencialmente de uma tensão estrutural entre imperativos de curto prazo (margens comerciais esmagadas, também elas agravadas pela guerra comercial instalada e possível aumento de custos energéticos; custos laborais crescentes por força da falta de mão-de-obra, dificuldade na retenção de talento e aumento do custo de vida; e dificuldades na captação de clientes por via da crescente concorrência, nomeadamente de países com menor regulação laboral e ambiental) com investimentos estratégicos de longo prazo em sustentabilidade. Por isso, as questões que se colocam são: será que estamos a confundir simplificação regulatória com desregulação e abandono da responsabilidade corporativa? Não estaremos a confundir riscos com oportunidades e custos com investimentos?
Como muitos, dou comigo a pensar que as mensagens dos Relatórios Draghi e Letta não terão sido bem entendidas pelos líderes políticos. O mais impressionante é que este recuo acontece precisamente quando os estudos demonstram que os custos de implementação das obrigações destas diligências para grandes empresas representam apenas 0,009% das receitas. Estamos, portanto, perante uma decisão que não é motivada por razões económicas racionais, mas por uma visão de curto prazo de cedência a pressões.
Assim, o falso dilema entre a sustentabilidade e a competitividade entra-nos por via da incoerência da década. A persistente perceção de que a sustentabilidade representa um custo adicional para as empresas. Mas, são os factos que contradizem frontalmente esta visão. A sustentabilidade deixou de ser retórica e passou a influenciar decisões estratégicas com resultados concretos. Os dados são claros, os principais riscos para as empresas portuguesas são de natureza sistémica, a instabilidade política (54%), ciberataques (47%), retenção de talentos (45%) e eventos climáticos extremos (38%). O que torna esta lista interessante é que três destes quatro riscos têm ligação direta ou indireta com a agenda da sustentabilidade.
As empresas portuguesas, por exemplo, encontram-se hoje numa encruzilhada. Adaptar-se aos requisitos mínimos ou liderar uma transformação genuína dos seus modelos de negócio. A evolução incerta do ambiente económico, identificada por 50% do tecido produtivo nacional como o principal desafio, alimenta uma mentalidade conservadora que favorece adaptações incrementais em vez de mudanças disruptivas.
Este dilema é particularmente visível nas pequenas e médias empresas, que representam a espinha dorsal da economia portuguesa. Estas organizações enfrentam o desafio duplo de navegarem num ambiente macroeconómico instável enquanto tentam compreender as decisões da Comissão Europeia e implementar novas ferramentas de sustentabilidade que afetarão toda a cadeia de valor.
O resultado? Um fosso crescente entre as empresas que transformam os desafios da sustentabilidade em vantagens competitivas e aquelas que meramente cumprem requisitos para evitar penalizações. Esta transformação é particularmente evidente quando verificamos que as empresas que já adotaram práticas sustentáveis conseguem taxas mais elevadas de retenção de clientes, e em que a economia circular oferece oportunidades de redução de custos e aumento da competitividade. Ainda assim, apenas 31% dos líderes executivos utilizam dados de sustentabilidade para tomar decisões estratégicas, apesar da crescente evidência de que esta integração leva a melhores resultados financeiros.
Existem claras vantagens estratégicas na implementação da agenda de sustentabilidade, principalmente face às preocupações atuais das empresas, sendo que muitas dessas vantagens são tangíveis e mensuráveis.
A começar pela redução efetiva de custos operacionais e uma otimização no uso de recursos, como por exemplo a eficiência energética de instalações e equipamentos, a produção de energia elétrica de autoconsumo, a implementação de programas de reciclagem e redução de desperdícios pode gerar poupanças significativas.
O aumento de produtividade e eficiência de processos, recorrendo à automação sustentável, gestão inteligente, nomeadamente em tempo real com sensorização, monitorização de indicadores de sustentabilidade e de investimentos, com objetivos de ganhos financeiros quantificáveis.
Na retenção e atração de talento qualificado, com aumento do nível de comprometimento dos trabalhadores. Através de uma cultura organizacional diferenciadora, 70% das empresas com ambientes positivos e inclusivos têm ganhos na produtividade. Por outro lado, os colaboradores valorizam compromissos éticos e responsáveis, com propósito focado na sustentabilidade, sem esquecer dos benefícios redirecionados para a mobilidade sustentável, bem-estar e saúde.
O fortalecimento da credibilidade e imagem corporativa com clara vantagem competitiva. A sustentabilidade tornou-se um diferencial competitivo que valoriza a marca, obtendo-se mais confiança dos stakeholders (investidores, clientes e parceiros) e com facilidade no acesso a capital e a investimentos através de linhas créditos, programas de apoio ou juros diferenciados.
A mitigação de riscos seja de contexto, crises, eventos extremos climáticos ou de quebras de fornecimento. É através do capítulo da sustentabilidade que a adaptação e a gestão proativa de riscos entram, aumentando a resiliência operacional e reduzindo vulnerabilidades a choques externos. A própria antecipação às exigências legais futuras evita custos de adaptação urgente, tendo sido essa a opção da maioria das empresas ao verem um conjunto de medidas da União Europeia.
O aumento da autonomia estratégica da europa, dos países e da economia com claros benefícios para as empresas. Ao diminuirmos a dependência externa em termos energéticos, em termos de matérias-primas e ao aumentarmos a circularidade, através da reciclagem e da valorização de recursos, através de subprodutos e produtos secundários, com respeito pelo ambiente, estamos a aumentar a estabilidade e a segurança das cadeias de valor e consequentemente a aumentar a previsibilidade na economia, além de garantirmos a qualidade dos produtos.
É com estes exemplos que testemunhamos que a sustentabilidade é uma vantagem competitiva. Podia continuar com vários exemplos, na área corporativa, mas também ligados à gestão do território e às políticas públicas, onde os riscos ligados à saúde das pessoas até se tornam mais evidentes. No século passado o valor era definido quase exclusivamente por métricas financeiras, mas nestas duas últimas décadas emergiu um novo paradigma onde o sucesso será determinado pela capacidade de gerar valor sustentável em múltiplas dimensões.
Esta mudança não é apenas ética, mas estratégica. Poluir está cada vez mais caro e custa cada vez mais às empresas, enquanto a implementação de soluções sustentáveis economiza dinheiro e é valorizada pela sociedade.
A verdadeira inovação não está em escolher entre lucro e propósito, mas sim em redesenhar os negócios para gerar valor simultaneamente. As empresas que prosperam financeiramente no longo prazo são precisamente aquelas que integram profundamente a sustentabilidade na estratégia, operações e cultura empresarial.
A integração de indicadores de sustentabilidade de forma transversal, como por exemplo a redução de emissões, aumento de capital natural, melhor adaptação e aumento do bem-estar, tornar-se-á ainda mais crítica. Em vez de verem estas exigências como um fardo, as empresas mais perspicazes reconhecem-nas como oportunidade para repensar fundamentalmente os modelos de negócio e criar vantagens competitivas duradouras.
Face às múltiplas pressões que as empresas enfrentam, a sustentabilidade emerge não como luxo ou obrigação regulatória, mas como um imperativo estratégico essencial para navegar sobre a incerteza.
As organizações que compreenderem que sustentabilidade e competitividade são aliadas, e não opostas, estarão mais bem posicionadas para enfrentar os desafios a curto e longo prazo. Num mundo de recursos limitados, a inovação sustentável é o único caminho para prosperidade duradoura. O futuro pertence a quem conseguir transformar os desafios ambientais em vantagens competitivas tangíveis e mensuráveis.
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