Não foi o que foi dito. Foi o que incendiou.

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A opinião de José Borralho
Não foi o que foi dito. Foi o que incendiou.
31 de Dezembro de 2025
Não foi o que foi dito. Foi o que incendiou.
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Não foi o que foi dito. Foi o que incendiou.
José Borralho
Chairman do Grupo One Bcam Five
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A história mostra-nos uma verdade desconfortável: raramente são as palavras que mudam o mundo. É a forma como elas são contadas. Revoluções não começaram apenas por injustiças. Começaram porque alguém decidiu como narrá-las. Crises não explodiram só por erros. Explodiram porque a informação foi mal enquadrada, exagerada, manipulada ou usada como arma emocional. 
 

E hoje, mais do que nunca, voltamos a brincar com esse fogo diariamente. 
 

Vivemos numa era em que ninguém é verdadeiramente julgado pelo que diz. É julgado pelo excerto que cabe num título. Pelo parágrafo que gera cliques. Pelo enquadramento emocional que antecede qualquer pensamento crítico. A informação deixou de ser um processo de esclarecimento para se tornar um gatilho de reação. 
 

O caso recente envolvendo declarações do Ministro da Educação é apenas mais um sintoma, não a doença. A doença é estrutural. 
 

O que foi dito, no contexto de uma discussão sobre ação social no ensino superior, foi uma reflexão sobre a degradação dos serviços públicos quando estes deixam de ser universais e passam a ser utilizados apenas por quem não tem alternativa. Uma tese discutível, sim. Mas uma tese sobre modelos de gestão pública, não sobre moralidade social. Não sobre pobreza. Não sobre carácter. 
 

O que foi comunicado ao país por alguns meios, incluindo uma estação de televisão estatal, foi outra coisa: uma associação direta entre estudantes carenciados e degradação de espaços. Uma frase amputada do seu contexto, transformada numa acusação moral. Um título que não informava, condenava. 
 

Aqui está a diferença crucial: o que foi dito exigia reflexão - o que foi comunicado exigia indignação. 
 

E a comunicação social escolheu a indignação. E escolha dessa indignação gerou julgamento no povo e até noutros partidos. 

Não foi por maldade individual, mas por dependência sistémica. Dependência de cliques, de velocidade, de sobrevivência num mercado onde o silêncio não paga contas e a nuance não viraliza. O problema é que, quando os media trocam contexto por emoção, deixam de ser mediadores da realidade para se tornarem engenheiros da perceção coletiva. 

A história está cheia de exemplos disso. 
 

A imprensa sensacionalista do final do século XIX inflamou sentimentos nacionalistas que ajudaram a empurrar países para conflitos armados. A cobertura enviesada de crises financeiras acelerou pânicos que destruíram economias antes mesmo dos fundamentos ruírem. Escândalos políticos foram ampliados até à histeria coletiva, enquanto outros mais graves foram abafados por falta de “interesse mediático”. 
 

Mais recentemente, vimos como a forma de informar sobre armas de destruição maciça contribuiu para guerras baseadas em premissas falsas. Como manchetes alarmistas alimentaram o medo durante crises económicas e sanitárias. Como rumores amplificados pelos media e redes sociais foram suficientes para provocar corridas aos bancos, à gasolina, ao papel higiénico, à irracionalidade coletiva. 
 

Nada disto é novo. O que é novo é a velocidade. 

 

Hoje, um mau titulo percorre o país em minutos. Uma frase fora de contexto chega a milhares antes que o discurso completo seja sequer ouvido. O julgamento antecede o facto. A condenação antecede a explicação. E a correção, quando chega, já não interessa. Não gera cliques. Não provoca emoções fortes. Não vende. 
 

É aqui que a comunicação social falha de forma grave. Não por errar, errar é humano. Mas por incendiar sem responsabilidade. Por saber que um título emocional vai gerar reação, mesmo que distorça a realidade. Por abdicar do dever de esclarecer em nome do dever de captar atenção. 

O jornalismo nasceu para informar o cidadão. Hoje, muitas vezes, limita-se a excitar o consumidor. 

 

E uma sociedade excitada é perigosa. Porque uma sociedade excitada reage. Não pensa. Não escuta. Não pondera. Procura culpados rápidos, frases simples, vilões claros. Uma sociedade excitada é fértil para populismos, extremismos e julgamentos sumários. Foi assim no passado, continua a ser assim no presente. 

 

A diferença é que agora chamamos a isso “engagement”. 

 

A comunicação social gosta de se ver como guardiã da democracia. E tem razão, quando cumpre esse papel. Mas quando abdica do contexto, quando transforma reflexão em escândalo, quando reduz complexidade a slogans emocionais, passa de guardiã a aceleradora de caos. 

 

E não, isto não é um apelo à complacência com o poder. É exatamente o contrário. Questionar exige profundidade. Fiscalizar exige rigor. Criticar exige honestidade intelectual. Um mau título não fortalece a democracia, fragiliza-a. 

 

Claro que os políticos também falham. Comunicam mal, falam demais, escolhem palavras infelizes. Mas num ecossistema saudável, o erro é analisado, contextualizado, debatido. Num ecossistema excitado, o erro é explorado, amplificado e explorado até à exaustão. 

 

E nós, leitores, não somos inocentes. Porque partilhamos sem ler. Comentamos sem ouvir. Reagimos sem pensar. A indignação rápida dá-nos uma sensação falsa de virtude. Pensar dá trabalho. Duvidar incomoda. Suspender o julgamento exige maturidade. 

 

Talvez o maior escândalo do nosso tempo não seja o que foi dito por um ministro, um gestor ou um cidadão comum. Seja o facto de aceitarmos viver num espaço público onde o título vale mais do que a verdade e onde o contexto é tratado como dano colateral. 

 

A história ensina-nos que sociedades não colapsam apenas por más decisões. Colapsam quando deixam de distinguir entre facto e narrativa. Entre erro e intenção. Entre informação e manipulação emocional. 

 

O maior perigo não é a desinformação grosseira. É a informação tecnicamente verdadeira, mas emocionalmente distorcida. Aquela que não mente, enquadra. 

 

Porque quando o título manda, a verdade obedece. 

E quando a comunicação social escolhe incendiar em vez de esclarecer, não está apenas a falhar o jornalismo, está a brincar com os alicerces da democracia. E a história já nos mostrou, vezes demais, como esse jogo costuma acabar. 

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