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Recentemente
criámos uma campanha para um problema sério de saúde infantil. A ideia era
simples, criar um personagem que representaria o principal responsável pela
doença. Ele seria um tipo de vilão daqueles que está sempre a se mascarar para
causar o mal sem ser apanhado.
O cliente:
uma ONG que usa hip hop e a cultura afro-americana para falar dos problemas de
saúde das crianças.
Música? Um
jingle, claro. E porque não, um rap? O nosso personagem poderia “dar todo o
briefing” enquanto cantava um rap cheio de malícia.
O cliente
adorou a ideia. Não só adorou, como telefonou para um dos principais
integrantes do board da ONG: Darryl DMC McDaniels, um dos fundadores do
RUN-D.M.C, grandes rappers dos anos 80. O DMC também amou o projeto e gravou um
jingle sensacional em menos de dois dias.
Tudo
pronto. Vamos arrancar?
Calma.
Agora a nossa network tem uma nova plataforma. Um comitê responsável por tratar sobre
diversidades e todas as campanhas que as envolvam.
Corre,
monta deck, apresenta o cliente, explica o briefing e conta a ideia toda com
belos slides.
Dois dias
depois vem o feedback: “campanha considerada arriscada, por utilizar uma voz
afro-americana para retratar um vilão”.
Caos! Depressão!
Reclamação e desespero! Afinal, o nosso próprio cliente, fazia parte da cultura
hip-hop e do universo da diversidade. E ele não via a campanha dessa forma. O
nosso comitê só podia estar equivocado.
Bora
conversar com os representantes do comitê para tentar entender melhor.
Dos 10
integrantes do grupo, mais da metade tiveram a mesma impressão: o vilão, apesar
de ser um boneco animado sem feições humanas, passava o filme todo a se gabar
de suas maldades, usando um ritmo e a voz de um homem preto.
E isso, aos
olhos de uma comunidade constantemente preocupada em manter a fragilidade do
mínimo de igualdade, conquistada às custas de muito sofrimento e luta, é um
risco que não se pode correr. Especialmente ao se falar com crianças. Colar um
vilão e seus atos a esta voz seria muito arriscado.
Ok, ouvindo
com atenção e sem o escudo da má vontade, fazia mesmo sentido. Mas já não íamos
a tempo de gravar outra música, ou mesmo de buscar outra voz com tanto
reconhecimento quanto essa.
Eis que vem
a ideia? “Ei, mas ele não está sempre se disfarçando? Ele não é uma espécie de
mutante, transmorfo sem forma? E se ele também tivesse várias vozes diferentes?
Princesa da Disney, miúdo pré-adolescente, bobalhão tipo desenho infantil,
herói de filme de ação, e, por que não, rapper afro-americano quando lhe
convém?”
Regrava
aqui, corta lá, substitui acolá. E não é que funcionou? Agora ficou evidente
que o vilão não é apenas perigoso em razão de todos os seus disfarces, mas
também em como ele pode nos enganar das mais diversas formas e vozes.
Aprovado
pelo comitê. Final feliz.
Nesse cenário
sim, onde felizmente houve uma solução simples. Mas ela poderia não existir. E
fosse esse o caso, por mais doloroso que pudesse ser para nós criativos, esse
problema teria sim de ser repensado e respeitado.
Um mundo
onde todas as opiniões têm o mesmo valor, especialmente àquelas vindas dos que
tanto lutaram para que elas fossem ouvidas, é muito importante. Essa sim é uma
ideia que merece ir para a rua.
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