
Newsletter
Pesquisa

Ou a vã glória de uma Nação entre a arrogância que perdemos e a pequenez que abraçámos.
Há dias, numa conferência da Marketeer sobre “Como marca Portugal no Mundo”, falou-se de Cristiano Ronaldo como exemplo daquilo que deveríamos ser: ambição, estratégia, confiança e consistência. Concordo plenamente. Mas há uma parte do discurso que me ficou atravessada. Porque é fácil bater palmas a Ronaldo e dizer “temos de ser como ele”, mas muito mais difícil é fazer o que ele fez - e continua a fazer - sem desculpas, sem complacência e sem depender de subsídios ou programas europeus para levantar voo.
Ronaldo é o espelho daquilo que Portugal poderia ser se deixasse de se comportar como um país órfão de visão. Ele é arrogante e ainda bem. Porque tem razões para o ser. Trabalha como ninguém, quebra recordes atrás de recordes, é o melhor do mundo e sabe-o. O problema é que, enquanto ele constrói impérios, nós parecemos resignados a viver de migalhas. Ficámos domesticados na mediocridade de quem se habituou a pedir em vez de conquistar.
Fala-se de “Marca Portugal” como se fosse um tema fofinho para congressos, mas ninguém quer dizer o óbvio: Portugal não tem uma estratégia de país. Tem campanhas. Tem slogans. Tem comissões, gabinetes e relatórios com powerpoints cheios de promessas. Mas visão? Zero. E visão não se mede em quantos logótipos o Turismo de Portugal desenha, mas em quantas vezes o mundo olha para nós e diz “estes tipos estão a liderar alguma coisa”.
E não me venham governantes e demagogos dizer que as empresas têm que o fazer. Não, não são as empresas que têm de fazer tudo. As empresas já fazem mais do que deviam. Produzem, exportam, pagam impostos pornográficos, competem com países que lhes levam séculos de vantagem e, ainda assim, alguém acha que também têm de ser as embaixadoras da nação, os promotores da imagem externa, os agentes da diplomacia e os patrocinadores do orgulho nacional. Enquanto isso, o Estado, esse mastodonte preguiçoso, limita-se a discursar sobre “a importância das parcerias público-privadas” e a cortar fitas em conferências.
Pergunto: onde está o papel do Estado? Onde estão os nossos embaixadores? Onde anda a nossa diplomacia económica e cultural? Quando é que teremos um governo, qualquer que seja, com coragem para pensar Portugal a 30 anos, e não apenas até às próximas eleições?
Olhemos para fora: o Peru tornou-se uma potência gastronómica porque o Estado percebeu que a comida podia ser um motor económico, investiu, promoveu chefs, posicionou produtos, envolveu a população e fez disso uma causa nacional. A Tailândia fez o mesmo com o turismo e a agroindústria. Investiu na exportação de produtos thai, apoiou a abertura de restaurantes e assim criou uma indústria de memória, recordação e expectativa com base nos sabores usufruídos no destino e na origem . Não foram “as empresas sozinhas”, foram governos com visão, estratégia e investimento. Aqui, continuamos a discutir se devemos “apostar mais na cortiça ou na sardinha em lata”.
Somos peritos em small talk. Falamos da “marca Portugal” e logo aparece alguém a dizer: “Somos um país pequeno, mas com muito talento”. É o discurso do coitadinho sofisticado. Essa crença infantil de que “por sermos pequenos temos mais valor”. Não temos. O tamanho nunca foi o problema. Aliás, nem somos pequeninos, somos o 16º maior em população e o 18º em território, em cerca de 50 países. Somos mais populosos que a Áustria, Suíça, Dinamarca, Finlândia, Noruega, Irlanda, Luxemburgo, entre muitos outros. Temos mais km2 que Hungria, Áustria, Dinamarca, Suíça, Países Baixos, Bélgica, entre muitos mais... por isso Portugal não é um país pequeno, é médio em escala, grande em história e desproporcionalmente modesto na ambição, mas acredito que muito venham agora dizer que todos estes países são mais competitivos porque mais pequenos e populosos se gerem melhor, porque como dizem os ingleses “small is beautiful”.
A “pequenez” de que tanto se fala não está nos números, está no discurso.
Somos pequenos sim, mas em mentalidade.
É o complexo de inferioridade que se disfarça de humildade e que faz de nós o país do “desculpem incomodar”.
A geografia também é uma desculpa conveniente. “Estamos no fim da Europa.” Fim? Depende da perspetiva. Para mim, Portugal é o início, é aqui que a Europa começa. Mas não há quem o diga com convicção. Continuamos presos à narrativa do “pequenino simpático”, o país de mar, sol e fado, bom para visitar, mas não para investir, inovar ou liderar. O país onde tudo tem qualidade e autenticidade, uma joia, mas daquelas baratas, pechisbeque, porque temos problemas em valorizar o que é bom – o que nos leva a ter 26 milhões de turistas de rentabilidade média, em vez de metade pelo triplo do valor, ou seja, menos turistas e mais valor, apostar em produtos turísticos de alto valor acrescentado, que a “marca Portugal” seja premium e não apenas “bom valor”.
Portugal tem de decidir se quer continuar a competir por quantidade ou subir na cadeia de valor.
Entretanto somo a versão moderna do “país dos brandos costumes”, que, traduzido, quer dizer: “aguenta, paga e não reclames”.
E a verdade é que nós já fomos arrogantes e com razão. Nos Descobrimentos, tivemos ambição, estratégia, confiança e consistência muito antes de Cristiano Ronaldo nascer. O Infante D. Henrique não tinha GPS, nem fundos europeus, mas tinha visão. Vasco da Gama não tinha LinkedIn, mas abriu a rota para a Índia. Fernão de Magalhães não esperou autorização de Bruxelas para dar a volta ao mundo. Esses tipos tinham fé, tinham coragem e desculpem a palavra: tinham tomates.
A gastronomia mundial não seria a mesma sem o que levámos aos quatro cantos do mundo: especiarias, café, açúcar, pimenta, técnicas, saberes. Influenciámos a cultura, a ciência, a cartografia e a economia mundial. Reinámos metade do planeta. E hoje? Hoje, somos um país onde um qualquer ministro se orgulha de dizer que “Portugal é um exemplo de resiliência”. Resiliência? Resiliência é um eufemismo bonito para “aguentar porrada e continuar calado”.
Portugal perdeu a arrogância que constrói e abraçou a pequenez que justifica. Passámos de “donos do mundo” a pedintes de subsídios, de “descobridores” a “pedinchadores”. Temos um “síndrome de impostos” - acreditamos que quanto mais o Estado nos cobra, mais civilizados somos. Deixamo-nos embalar na demagogia de discursos onde a estratégia é confundida com teoria. Que o Estado sabe melhor do que nós o que fazer com o nosso dinheiro. Spoiler: não sabe.
E sim, Cristiano Ronaldo é um bom exemplo. Mas se quisermos realmente aprender com ele, então aprendamos tudo, inclusive a sua arrogância. A arrogância de quem acredita no seu valor. De quem não aceita ser o segundo. De quem se prepara todos os dias para ser o melhor. De quem não depende de ninguém para provar o que vale.
Portugal precisa de voltar a ter essa arrogância. A arrogância da competência. A arrogância da excelência. A arrogância da liderança. Não a do “orgulho tonto”, mas a do “sabemos quem somos e exigimos respeito”.
E cabe ao Estado liderar isso. Não para controlar, mas para inspirar. Não para impor, mas para alinhar. Criar políticas que libertem as empresas, diplomacias que promovam o país, sistemas fiscais que incentivem e não punam. O problema é que pedimos estratégia a quem vive de tática, visão a quem vive de eleições, e orgulho nacional a quem confunde “serviço público” com “tachos partidários”.
Enquanto continuarmos a achar que “a marca Portugal” é um trabalho de marketing e não um desígnio nacional, continuaremos a ser o país do “quase”. Quase líderes, quase inovadores, quase reconhecidos. Continuaremos a aplaudir os Ronaldos e a ignorar os empreendedores que todos os dias, com impostos às costas, fazem o país andar. Continuaremos a confundir humildade com falta de ambição, prudência com cobardia, e consenso com anestesia.
Portugal não é pequeno. Portugal está adormecido.
E enquanto os governos dormem, as empresas tentam acordá-lo à força, sozinhas.
Mas a verdade é simples: um país não se promove com slogans, mas com visão. E, até prova em contrário, essa visão continua por nascer.
Artigos Relacionados
fechar

O melhor do jornalismo especializado levado até si. Acompanhe as notícias do mundo das marcas que ditam as tendências do dia-a-dia.
Fique a par das iniciativas da nossa comunidade: eventos, formações e as séries do nosso canal oficial, o Brands Channel.