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Este mês, tive a oportunidade de participar numa conferência sobre o tema que parece estar em todas as bocas, mas em poucos corações: o marketing do futuro. A expressão, por si só, carrega um certo fascínio, quase místico. O “futuro” desperta-nos curiosidade desde sempre. É o território do incerto, da esperança, mas também do medo. E talvez seja por isso que o abordamos tantas vezes com palavras grandes, ideias ousadas, ferramentas tecnológicas, mas poucas vezes com verdadeira profundidade humana.
Mas eis a minha convicção: o futuro do marketing não será uma revolução tecnológica. Será uma evolução emocional. Profundamente humana. Eticamente urgente. Incontrolavelmente simbólica. E já começou.
Durante décadas, vivemos fascinados com os meios. Da televisão que nos ensinou a ver, à internet que nos ensinou a clicar, até às redes sociais que nos ensinaram a interagir, cada nova tecnologia foi vista como uma rutura. Mas nenhuma delas foi, por si só, transformadora. O que transformou o marketing e o que continuará a transformá-lo, foi sempre o mesmo motor: o comportamento humano em mutação.
A televisão deu-nos audiência, mas não nos ensinou a escutar. A internet deu-nos dados, mas não nos deu empatia. As redes sociais deram-nos visibilidade, mas também nos expuseram à saturação, à desconfiança, à rejeição silenciosa. Agora, com a Inteligência Artificial, assistimos à chegada de algo ainda mais poderoso: algoritmos que aprendem connosco… e que, ironicamente, nos obrigam a voltar ao essencial, a autenticidade.
Num mundo onde tudo é previsível, automatizável, replicável… a emoção passou a ser o verdadeiro diferencial.
Como exploro no meu paper “Entre o clique e o coração – O paradoxo do novo consumidor”, o desafio não é perceber como será o marketing do futuro. O desafio é perceber quem é o consumidor do presente, porque é nele que o futuro já começou.
E esse consumidor não é um número, um target, uma persona. É uma teia emocional complexa, muitas vezes contraditória, onde diferentes perfis convivem dentro da mesma pessoa. É por isso que, mais do que segmentações demográficas, precisamos de entender estados emocionais de consumo.
Ao longo do estudo que realizei, identifiquei cinco perfis coexistentes do consumidor contemporâneo que são, na verdade, cinco facetas da mesma alma em tensão.
O primeiro é o Consumidor Híbrido e Coerente. Vive entre o físico e o digital, mas exige que ambos os mundos comuniquem com a mesma voz, o mesmo cuidado, a mesma experiência emocional. Para este perfil, uma promoção que aparece online e não está na loja física, não é só um erro, é uma traição. A coerência entre canais deixou de ser uma questão técnica. É agora uma questão de respeito emocional.
O segundo é o Consumidor Rápido, mas Exigente. Quer tudo para ontem, mas não abdica do detalhe, da empatia, do gesto. A velocidade tornou-se o mínimo. A atenção tornou-se o luxo. E é aqui que tantas marcas falham: entregam em 24h, mas sem alma. Automatizam, mas sem tom. Atendem, mas sem presença. E o que o consumidor exige não é apenas rapidez: é rapidez com significado.
O terceiro é o Consumidor Consciente, mas Contraditório. Quer comprar melhor, mas nem sempre consegue. Defende causas, mas sucumbe à conveniência. Valoriza sustentabilidade, mas compra o mais barato. Não por incoerência intencional, mas por humanidade. Este perfil carrega culpa e procura marcas que o acompanhem, não que o condenem. Marcas que o ajudem a evoluir sem exigirem perfeição. Que celebrem pequenos gestos em vez de apontarem falhas.
O quarto é o Consumidor Saturado, mas Indeciso. Vive afogado em estímulos, paralisado pela abundância. A promessa era: mais escolha, mais liberdade. Mas a realidade tornou-se: mais escolha, mais ansiedade. Este consumidor adora decidir, mas tem medo de errar. E, por isso, adia, hesita, abandona. A marca que aqui se destaca não é a que grita mais alto, mas sim a que clarifica, orienta, acalma. Ser bússola passou a ser mais relevante do que ser viral.
E por fim, talvez o mais profundo de todos: o Consumidor Identitário. Não escolhe apenas pelo preço, pela função ou pela estética. Escolhe pelo reflexo. Compra aquilo que representa quem ele é ou quem ele deseja ser. A marca, aqui, deixa de ser um fornecedor e torna-se um símbolo. Um espelho. Um statement. E essa escolha não se conquista com campanhas. Conquista-se com coerência emocional transversal. Com posicionamento vivido. Com coragem de ter uma voz e não apenas um produto.
Estes cinco perfis não são cinco tipos de pessoas. São cinco momentos de uma mesma pessoa. São cinco necessidades emocionais que se ativam em diferentes situações. E é por isso que o marketing do futuro não será feito de campanhas para segmentos. Será feito de experiências para consciências.
Não estamos perante um “novo consumidor”. Estamos perante uma nova anatomia do consumo: híbrida, veloz, consciente, contraditória, identitária. E tudo isto acontece ao mesmo tempo. O consumidor não é previsível. É paradoxal. E é justamente essa complexidade que o torna tão real. Tão humano. Tão… nós.
O que me preocupa, sinceramente, não é a chegada da IA. Nem o fim dos cookies. Nem a próxima rede social. O que me preocupa é vermos tudo isto como ameaças, quando na verdade são oportunidades. O problema nunca foi a tecnologia. O problema é o que fazemos com ela. Porque a tecnologia amplifica, mas só amplifica aquilo que já existe.
Se a marca for superficial, a IA será só um megafone da sua irrelevância. Se a marca for incoerente, os algoritmos exporão cada falha com precisão matemática. Mas se a marca for verdadeira, então a tecnologia será o seu maior aliado. A alma amplificada pela máquina... é isso que o marketing do futuro pode ser.
Para isso, as marcas precisam de mudar o seu paradigma. Deixarem de ser montras e tornarem-se espelhos. Deixarem de tentar seduzir e começarem a refletir. Deixarem de prometer mundos e começarem a representar mundos vividos.
O tempo da persuasão acabou. Entrámos no tempo da coerência emocional.
E isso exige mais do que estratégia. Exige presença. Escuta. Coragem. Consistência. Significado.
A marca que não souber responder a estas perguntas às perguntas “Quem sou eu? O que represento? O que defendo? Quem quero ser para o meu consumidor?”, arrisca-se a desaparecer. Não por falha de inovação. Mas por falta de sentido.
Porque o que está em jogo já não é só a atenção do consumidor.
É o seu afeto. A sua lealdade voluntária. A sua escolha identitária.
E essa escolha acontece onde há coerência, cuidado, clareza e verdade.
O marketing do futuro será construído por marcas que:
Estão em todos os canais, mas com a mesma alma;
Automatizam processos, mas humanizam relações;
Aceitam a contradição do consumidor sem julgamento;
Simplificam experiências sem empobrecer emoções;
Defendem causas com ação, não apenas com campanhas;
Escutam para evoluir, não para responder.
Se o consumidor está em transformação, a marca também tem de estar.
Não apenas para se adaptar. Mas para liderar essa mudança com consciência, emoção e coragem.
Porque, no fim, o que todos procuramos no futuro não é mais tecnologia.
É mais sentido. É mais casa. É mais coração. E as marcas que souberem ser isso… não terão apenas lugar no mercado. Terão lugar na vida.
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