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Há gente que vive uma vida inteira sem conseguir expressar sentimentos. Seja por pudor, por uma falsa ideia de que isso é sinónimo de fragilidade, ou por mera incapacidade de comunicar. Gente que até lê poesia, mas não conta a ninguém. Os ingleses têm uma expressão para isso: chamam-lhes “closet romantics”, ou românticos de armário. Aprendi com o Damon Albarn, que tem uma música com esse título na banda sonora do Trainspotting.
Tenho prestado mais atenção a um grupo de pessoas que vejo surgir em Portugal e a que chamo de closet entrepreneurs. Trabalham anos na mesma empresa, seja uma PME ou uma multinacional, ou a dar aulas num liceu, a tratar da saúde dos outros numa farmácia, ou a fazer investigação numa universidade. Um dia, começam a entreter uma ideia de negócio, e nem é que tivessem sonhado tornar-se empresários, mas aquela ideia não os larga e vai tomando forma. Aos poucos, começam a criar condições nas suas vidas para se dedicarem a persegui-la de forma séria. Se não sabiam, começam a aprender a ser diretores financeiros, vendedores e marketeers, gestores de equipa, problem solvers. E quando são maus numa área, aprendem a recrutar quem seja melhor do que eles. Dão por si e tornaram-se fundadores e gestores de uma empresa. Se a empresa for inovadora, usar tecnologia de forma intensiva e conseguir crescer depressa, então a essa empresa eu chamo startup.
A propósito da maturidade do ecossistema português de empreendedorismo, indicadores como o número de unicórnios e de exits colocam Portugal na infância, mas a crescer. É um óptimo sinal ver cada vez mais empreendedores saírem do armário, cada vez mais pessoas competentes abandonarem carreiras estáveis para correrem riscos na criação de projetos com impacto económico — seja porque crescem depressa e criam emprego rapidamente, seja porque a inovação que as caracteriza promove formas melhores de fazer as coisas em clientes, parceiros e até nos concorrentes.
Quando estas pessoas acabam por revelar um gosto e capacidade para serem empreendedores, e continuam a agarrar em ideias e a lançar novos projetos, isso então torna-se muito inspirador. Casos como o Virgílio Bento, que depois de entrar com a SWORD Health nos EUA, já se envolveu no lançamento da Findster e da Nosy. Ou da Maria Costeira que, desde que em 2005 lançou a Xpand, nunca mais parou de transformar ideias em produtos, produtos em negócios, e quanto mais globais melhor. Como o João Romão, que fundou a Wishareit e a GetSocial. Ou o Pedro Moura, que esteve com o João na origem de ambas, e entretanto já co-fundou a Mapidea. Pessoas que acabam por se revelar empreendedores em série e que, mesmo quando alguns dos seus negócios não se provam fenómenos no mercado global, mal podem esperar para lançar o próximo.
Nos Estados Unidos, eles são glorificados. Frequentemente pagos para andarem de conferência em conferência a dizer “eu falhei, tentei outra vez, falhei melhor — e aprendi isto e aquilo”. Ensinam e inspiram. Atuam como multiplicadores e aceleradores vivos dos ecossistemas.
Na Europa, a Finlândia, a Irlanda e a Suécia são dados como os países onde é mais tolerado o erro e encorajada a segunda tentativa, de acordo com um paper de 2016 da Universidade de Cambridge. Mas o mais interessante desse estudo é que estabelece uma correlação direta entre esses indicadores e o crescimento económico dos países. Já Schumpeter dizia que é valorizar o fracasso que permite criar. Perto de nós, também assistimos a medidas como a eliminação da palavra “morte” das estatísticas oficiais sobre startups - substituindo, por exemplo, por “descontinuação” - ou a agilização dos procedimentos administrativos que permitem encerrar legalmente e rapidamente uma empresa. Se é verdade que as culturas não se importam por decreto e que Silicon Valley não se vai recriar no Velho Continente, é interessante ver como alguns países têm feito experiências e criado políticas para ativamente combater o estigma e acelerar uma mudança cultural.
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