Causas Sociais: compromisso ou cosmética?

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A opinião de José Borralho
Causas Sociais: compromisso ou cosmética?
30 de Setembro de 2025
Causas Sociais: compromisso ou cosmética?
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Causas Sociais: compromisso ou cosmética?
José Borralho
Chairman & Inspiration Officer Consumer Choice
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Estamos a mudar o mundo ou a comprar uma boa consciência em prestações?


Nos últimos meses, as nossas redes sociais encheram-se de logótipos pintados de arco-íris, de fotos cor-de-rosa, de hashtags solidárias. Mas quando as luzes se apagam, o que fica? Na semana passada, num almoço com o meu amigo Rui Ferreira Amaral - um homem que há mais de 25 anos dedica a sua vida a causas e a pessoas, sobretudo na área da saúde mental, na Fundação São João de Deus - surgiu uma pergunta que não me saiu da cabeça: o que é que andam as marcas a fazer pelas causas e pelas instituições?


A questão parece simples, mas é brutal. Porque a verdade é que vivemos numa era em que apoiar uma causa se tornou quase uma obrigação para qualquer marca que queira ser bem vista. Ao longo dos meses, campanhas sobre diversidade ou igualdade de género multiplicam-se em ações, posts e anúncios. Mas será que isto é compromisso real ou apenas marketing com roupa nova?


Na maior parte dos casos, apoiar uma causa resume-se a patrocinar um momento. Dar visibilidade a um evento, ajudar a angariar fundos, colocar o logótipo num cartaz. É importante, claro. Mas é suficiente? Não deveríamos estar a entregar às organizações o nosso conhecimento em marketing, em vendas, em gestão, ajudando-as a crescer de forma estruturada e sustentável? Não deveríamos integrar as próprias causas na cultura da empresa, em vez de apenas as usar como bandeira ocasional?


É aqui que entra a incoerência que poucos querem ver. Quantas empresas patrocinam campanhas pela inclusão de pessoas com mobilidade reduzida, mas não têm um único colaborador em cadeira de rodas nas suas equipas? Quantas patrocinam campanhas de apoio aos invisuais, mas não contratam invisuais para trabalhar consigo? Quantas dizem apoiar crianças e jovens com deficiências, mas quantas realmente lhes abrem portas no seu quadro de colaboradores? Apoiar uma causa sem transformar a prática interna da empresa é como comprar uma medalha sem nunca ter corrido a maratona. Fica bem na fotografia, mas não muda nada de verdade.


E se amanhã todas as causas desaparecessem das campanhas, o que sobrava da sua marca? A sua empresa está disposta a perder clientes para defender uma causa, ou só a ganhar clientes à custa dela? Estas não são perguntas confortáveis, mas são as que definem a diferença entre compromisso e cosmética.

E enquanto isso, continuamos a medir impacto em likes, views e engagement, quando devíamos medir em vidas transformadas. Os KPIs superficiais contam alcance da campanha, notoriedade e buzz mediático. Os KPIs sérios contam quantas pessoas foram integradas no mercado de trabalho, quantas bolsas foram atribuídas, quantas famílias saíram da linha da pobreza. Enquanto as marcas confundirem barulho com impacto, estaremos apenas a pintar uma realidade feia com cores bonitas.


Chamemos as coisas pelo nome: muitas vezes não é apoio, é fake social good. Marcas de vestuário que falam de sustentabilidade, mas que mantêm cadeias de produção assentes em exploração. Marcas que transformam protestos reais em cenários de publicidade, banalizando lutas sociais. A diferença entre o genuíno e o falso está na coerência entre aquilo que se comunica e aquilo que se pratica.


Felizmente, há bons exemplos. A Patagonia entregou todos os lucros futuros da empresa a fundações ambientais, mostrando que o compromisso é ADN e não campanha. A Ben & Jerry’s não se limita a slogans, mas investe de forma continuada em projetos sociais e assume posições políticas claras. A Nike arriscou boicotes ao apoiar Colin Kaepernick, mas provou que valores não são acessórios.


E também em Portugal encontramos sinais encorajadores: a Delta Cafés apoia não apenas comunidades produtoras de café no estrangeiro, mas tem programas de inclusão social em territórios do interior, onde o abandono populacional é crítico. A EDP desenvolve projetos educativos com escolas para promover literacia energética e já investiu em centenas de projetos comunitários ligados à transição sustentável. O Continente criou um programa robusto contra o desperdício alimentar, doando milhares de toneladas de alimentos a instituições de solidariedade, numa lógica de continuidade e não apenas de campanha sazonal. São gestos que mostram que é possível ir além da fotografia e construir impacto real.


Mas há uma questão ainda mais delicada: a quem cabe, numa organização, a responsabilidade de definir estas políticas? Será aos departamentos de marketing, pressionados todos os dias para gerar resultados imediatos e cujas métricas de desempenho são avaliadas ao milímetro? Como esperar que sejam eles, sozinhos, a carregar o peso de decisões que deveriam estar no coração da estratégia da empresa? Será à administração, que deveria ter uma visão de longo prazo e assumir que apoiar causas não é despesa, mas investimento em reputação, sustentabilidade e futuro? Ou será aos acionistas, que tanto reclamam dividendos, mas raramente abdicam de uma parcela dos lucros para reforçar compromissos sociais? Estarão eles dispostos a sacrificar parte do retorno imediato em nome de um futuro empresarial mais sólido e de uma sociedade mais justa? Enquanto esta responsabilidade não for assumida de cima para baixo, continuaremos a ver campanhas bonitas, mas vazias, porque não há causa que resista à lógica do curto prazo.


Então, o que é que andamos aqui a fazer? Será que queremos apenas ser vistos ao lado de causas ou estamos dispostos a vivê-las por dentro? Será que queremos usar causas como instrumentos de comunicação ou como bússolas para transformar a nossa cultura? Será que apoiar uma causa é dar dinheiro para um evento ou é abrir espaço dentro da própria empresa para integrar as pessoas que essas causas representam?

Apoiar causas sociais não é uma questão de reputação. É um teste de verdade. E aqui não há zonas cinzentas: ou fazemos parte da solução ou somos apenas mais um ruído bem-intencionado.


E, no fim, deixo o apelo: que cada líder, cada gestor, cada acionista se olhe ao espelho e se pergunte: “estou a usar uma causa para me promover, ou estou disposto a transformar a minha empresa para que essa causa deixe de precisar de ser promovida?”. A diferença está entre contar histórias bonitas ou escrever futuro.


Força Rui, continua esse trabalho bonito que fazes na sociedade portuguesa.


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