Católica: A Marca para além da fé

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A opinião de Joana Santos Silva
Católica: A marca para além da fé
20 de Março de 2023
Católica: A Marca para além da fé
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Católica: A marca para além da fé
Joana Santos Silva
Professora de Estratégia e Inovação – ISEG, Universidade de Lisboa

Todos nós conhecemos a máxima de que “religião, futebol e política não se discutem”, e é sempre difícil falar de coisas sérias, mas é um desserviço ignorar os temas de real impacto. Assim, escolhi abordar o tema da marca da Igreja Católica.


O tema é sensível até porque falamos de religião e da sua importância social e pessoal. A religião é um reflexo dos valores de uma sociedade, é uma forma de aproximação das pessoas e consiste numa narrativa social partilhada por parte dos fiéis. Contudo, também podemos olhar para o lado institucional da religião e analisar o que corre mal na gestão da marca da Igreja Católica.


De uma forma tradicional, uma marca forte consiste numa promessa ao cliente. Uma marca forte ajuda a clarificar o que a torna única, focando nos benefícios emocionais e aspiracionais relevantes, apoiando-se nas competências da organização. A marca da Igreja Católica é indiscutivelmente uma marca forte, começou com 12 seguidores e hoje conta com 1,2 bilhões de fiéis. Trata-se de uma taxa de crescimento anual de aproximadamente 1% ao longo de 2000 anos. Será provavelmente única no seu sucesso.


Atualmente, não há dúvida de que a marca da Igreja Católica se encontra em crise. Acima de tudo, falhou na sua promessa aos seus seguidores e isso lesa de forma profunda a relação da marca.


E, se geríssemos a igreja como uma empresa, como abordaríamos o problema?


Assistimos a uma queda do número de fiéis nos mercados tradicionais, uma taxa de utilização e de lealdade decrescente, uma dificuldade crescente de atração de talento, e os inúmeros escândalos que têm tido um impacto negativo na imagem da marca.


Atualmente 2/3 dos Católicos encontram-se na América do Sul, Ásia ou África, também são as zonas geográficas com maior crescimento de seguidores, contudo estes mercados contam com apenas 1/3 dos padres. Ora numa análise tradicional diríamos que os colaboradores não estão onde estão os clientes, o que é um erro.


Por outro, o modelo de governança também não é propício às melhores práticas de gestão de marca. Uma diocese consiste numa zona geográfica com várias igrejas administradas por um bispo. Assim, a Igreja Católica opera como um grande conglomerado assente em pequenos operadores mais ou menos independentes. É, portanto, mais difícil garantir uma coesão de mensagem e de práticas do que através de um modelo mais centralizado. Este modelo também não otimiza economias de escala, poder negocial e efeitos de rede.


O modelo descentralizado também dificulta a transparência. Os stakeholders externos têm dificuldade em aferir onde e como a Igreja investe os seus recursos, quem são os beneficiários e se a gestão é otimizada para impacto. A falta de transparência é algo que quase sempre impacta negativamente uma marca e afasta os seguidores.


A falta de transparência pode igualmente resultar em práticas danosas como aquelas que têm vindo a público nos últimos anos. Os escândalos de abuso sexual infantil que têm sido publicados a nível global resultam numa erosão de confiança por parte dos fiéis. As pessoas deixam de confiar na palavra da Igreja Católica, a promessa é quebrada e é extremamente difícil voltar a conquistar esta confiança e sarar uma relação quebrada. Até porque, de todas as marcas com as quais interagimos, poucas terão tanta importância pessoal como aquela que representa os nossos valores individuais e coletivos.


As boas práticas de gestão de crise que se aplicam às empresas também se aplicam à Igreja católica. E a primeira etapa consiste sempre em melhorar a transparência e comunicação. Infelizmente, aqui temos presenciado a uma gestão pouco eficaz e longe das expectativas dos seguidores.


A par da transparência e da construção de relações fortes baseadas no respeito, na gestão da reputação é essencial monitorizar o que é dito e não o ignorar. Aqui, temos visto uma franca incapacidade de a Igreja Católica valorizar de forma credível as fontes de informação e de crítica. Apesar de ter constituído uma comissão independente que validou 512 casos de abuso sexual infantil e que estimou 4815 vítimas, temos assistido a poucas ações consequentes, ou mesmo, a grande relutância em abordar o tema. Mais do que números, os relatos e citações das vítimas são revoltantes e assombrosos. A dor e o trauma criados por uma instituição que tem como missão o contrário, são a pior forma de choque e de quebra de relação.


A expectativa de todos provavelmente seria alinhada com a própria comissão independente e citando Pedro Strecht “Talvez seja difícil que, a partir de agora, tudo fique igual”, mas parece que até à data a organização está em formato “business as usual”.


O primeiro passo para a reconciliação com os seguidores da marca é sempre pedir perdão. Novamente, julgo que a Igreja Católica, perdeu uma excelente oportunidade de tentar mitigar os danos. As declarações ficaram aquém das expectativas de todos, e em muitas instâncias o pedido de desculpas parecia ser dado de forma contenciosa. Para mim, fez-me lembrar as declarações do CEO do grupo VW no escândalo de 2015 “dieselgate”. Um pedido de desculpa pouco sentido, em que o líder não se sente confortável em dar a cara, e que provavelmente questiona porque é que lhe cabe a ele esse papel. Pedir perdão não é suficiente, o pedido tem de ser sincero e sentido. Este é um tema no qual a Igreja Católica terá competências únicas. Assim, é imperioso fazer melhor.


Em gestão de crise outro tema fundamental é atuar depressa e de forma diplomática. Ora, a Igreja Católica não é conhecida pela sua celeridade, até o Presidente da República admitiu que demorar 20 dias para reagir a algo que carecia de resposta imediata é incompreensível. No que diz respeito à falta de diplomacia, emitir declarações a respeito de indemnizações dizendo que as mesmas seriam “insultuosas para as vítimas” é uma postura que denota uma profunda falta de empatia para com as mesmas e para com todos os que assistem. Certamente, não existirá indemnização financeira que repare o dano causado, mas implicar que a mesma nem possa vir a ser considerada é ignorar a responsabilidade institucional.


Por último, o tema mais importante da gestão de crise e reputacional, é aprender com os erros. As pessoas responsáveis pelos abusos usaram uma posição de poder, de confiança e de assimetria, que em parte era atribuída pela própria instituição Igreja Católica, para cometer os seus atos nefastos. Beneficiaram de uma posição quase intocável e irrepreensível para vitimizar crianças frágeis, e é por isso que têm de ser imputados com maior nível de exigência na responsabilização.


Nesta dimensão, estamos todos com grandes expectativas. Deus não falha, mas os homens falham. Falhamos todos, mas é preciso de aprender e fazer melhor. A responsabilidade da Igreja é maior do que a de qualquer simples marca. A traição que sentimos não diz respeito a um produto de qualidade inferior ou a um serviço que correu mal. A ferida é profunda e vem de uma instituição que tem um papel único na sociedade.


Citando, Stan Lee – “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. A Igreja tem um papel fundamental na criação de comunidade, na partilha de fé e na passagem de valores universais. A importância da Igreja e da fé não tem diminuído. Estamos num mundo extraordinariamente complexo, com desafios múltiplos, e precisamos de instituições que possam apelar ao espírito de união, de solidariedade e de amizade. Não duvido da importância dos valores da Igreja, duvido de algumas das suas práticas. Precisamos de uma Igreja forte capaz de mobilizar, o que implica que a sua capacidade de se manter relevante, de adaptar a sua narrativa ao contexto atual e de reconquistar a confiança dos seguidores tem de ser resolvida.


Precisamos urgentemente de fé. Citando, Liev Tolstói - “Não se vive sem fé. A fé é o conhecimento do significado da vida humana. A fé é a força da vida. Se o homem vive é porque crê em algo.”


Esperemos que a Igreja encontre o caminho de volta a uma marca forte, relevante, cumprindo a sua promessa, e com capacidade de reatar as relações quebradas. 


 

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