A minha primeira vez

Pesquisa

A opinião de Pedro Pires
A minha primeira vez
12 de Julho de 2018
A minha primeira vez
A minha primeira vez
Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit.
A minha primeira vez
Pedro Pires
CEO/CCO SOLID DOGMA
Em destaque
Pub Lateral dentro artigoPub Lateral dentro artigo
Continuar a ler depois do destaque
Em destaque
Pub dentro artigoPub dentro artigo

Espero que este meu título não ofenda ninguém. Não pretende ter qualquer outro tipo de conotação senão a pretendida para descrever o facto de eu nunca ter estado em Cannes, depois de 22 anos de carreira.

Confesso que o politicamente correto sempre me deixou com sentimentos mistos.

Por um lado, percebo que a não-cristalização de determinados temas em padrões reconhecíveis e assimiláveis pelas massas não permitem nunca que se estabeleça o nível de pressão necessário na opinião pública para que as coisas mudem.

É essa lógica de atuação que permite que se criem mudanças sociais profundas.

O problema é quando a corporativização dos movimentos e a sua excessiva hiperbolização os fazem chegar ao ponto onde tocam as fronteiras daquilo que, em primeiro lugar, queriam evitar.

Da libertação ao fascismo (tenha ele a cor que tiver), existe sempre uma autoestrada sem portagens prontinha para ser percorrida.

Falo da defesa da diversidade, falo da defesa dos direitos individuais, de género, de opção sexual, etc. Como bem sabem os que me conhecem, sou um libertário social e de costumes. E não há nada que me irrite mais do que ver assuntos sobre os quais sempre emiti opiniões de defesa e, mais do que isso, tive comportamentos ao longo da vida que os defendem e promovem a ser transformados em bandeiras agitadas em dias de nevoeiro.

A verdade é que a referência às buzz words do momento deve estar agora já na sua curva descendente - uma das melhores formas de se condicionar um movimento inteligente e justo é deixar que ele se torne objeto de manifestações de celebração pública em contextos convenientes, numa indústria que em primeiro lugar nunca deveria ter vivido com eles.

Esta histeria coletiva poderá ter exatamente o efeito contrário ao que se pretende pois essa é uma das mais efetivas táticas de derrisão e desacreditação: colocar um tema de forma avassaladora e repetida no centro das atenções (como muito bem provou a campanha de Trump), com níveis de repetição absurdos e discursos que têm tanto de hipócritas como de inflamados, até que esse tema se esvazie de sentido.

Vamos abrir os olhos - isto é um ataque descarado a quem sempre teve princípios, a quem sempre lutou pela igualdade e pela diversidade. Esta é a estratégia troll da falsa culpabilização e da reverse psychology a funcionar na perfeição: aquilo que permite a um racista e abusador defender exatamente o contrário e ser elogiado por isso.

O problema é o impacto que isto começa a ter nas decisões criativas que começam a ficar cada vez mais espartilhadas pelas ticking boxes do politicamente correto.

A verdade é que se tiver que descrever o que mais me impressionou em Cannes, isso terá que ser o peso corporativo do politicamente correto e como toda a gente se presta, entusiástica e hipocritamente, em alinhar-se com o discurso do momento, desde que este contenha as palavras “diversidade”, “LGBT+ time´s up”, “metoo”, “gender equality”. Tudo coisas que aprendi a defender ainda em gestação (eu e praticamente toda a gente, na verdade).

Houve até quem tenha feito em palco, numa das galas, um discurso que utilizou todas as buzz words - um exercício máximo de banalização formal de um conteúdo e da sua descontextualização, para que sirva apenas o propósito de criar um momento diferenciador em palco.

Estamos distraídos pela complexidade, entupidos pelo multitasking, ultrapassados pelo tempo, afogados em informação e preocupados com consequências. E a isto respondemos não com pensamento crítico e criatividade, mas com discursos e políticas de aculturação rápida que nos façam voltar a focar rapidamente nos aspetos produtivos e sossegar espíritos mediáticos.

Os limites da estupidez que estão a resultar daqui são intermináveis: acusações não verificáveis, discursos hipócritas a valorizar novamente as “pessoas”, essa entidade abstrata, porque a entidade concreta está nos corredores das agências e das empresas (todos os dias desesperadamente a tentar ver sinais de autenticidade em tudo isto - sinais que não venham da análise calculista dos índices a mudar, mas sim do sentimento de ser humano e que nos deveria deter de qualquer tipo destes comportamentos e explorações, a começar pelas organizações).

E o adensar destas questões começa a extravasar todas as áreas e a atingir níveis de parvoíce verdadeiramente preocupantes porque costumam ser a antecâmara de muito pior. Começa com a pré-vitória de Trump e insidiosamente espalha-se para todo o lado.

Ainda este mês, Shane Allen, responsável pela área de comédia da BBC afirmou que os Monty Python hoje em dia nunca teriam sido contratados porque “não correspondem à política de engenharia social defendida pela BBC”, porque eram seis brancos com educação universitária (apetece-me escrever palavrões sempre que leio isto).

Ou por exemplo, ridículo dos ridículos, o grupo de oito mulheres supostamente feministas que este ano “crasharam” o London Pride com faixas com palavras de ordem com os Transgender e pedindo a retirada do T da sigla LGBT.

Quando chegamos a este nível de desorientação, estamos em território muito pantanoso e perigoso.

Diz-se “seja assim”, porque senão nada muda nunca. Percebo, e subscrevo, porque se luta com as armas que se tem, mas não consigo deixar de ficar ainda mais alerta para ver quem vem à boleia.

E tudo isto se sente em Cannes. Enquanto em palco se alimenta discursos e planos de diversidade, transparência, honestidade e esperança, na praia alimenta-se um esquema de falsa empatia e banalidade em que companhias espartilhadas pela sua supostamente progressiva política de boas práticas estão dedicadas a convencer os desconfiados criativos que esta ofensiva tecnológica, dos media e do politicamente correto é no melhor interesse da criatividade.

A verdade é que aqui não se sente a criatividade, mas sim o prolongamento de um modelo desgastado de relações públicas que muita dificuldade terá em seduzir aqueles que realmente consideram que o avanço da indústria se dá com a criação de espaços para pequenas revoluções de conteúdo, estética e comportamento. Com a exposição da diferença e não da normalização instantânea dessa diferença ao ponto de a descaracterizar enquanto discurso corporativo.

E o mais estranho é que muitas destas práticas e discursos generalizados têm origem nas mais extraordinárias empresas que vimos nascer nos últimos anos. Empresas que tiveram de ser realmente criativas para existirem.

Mas parecem elefantes em lojas de porcelana. Das mais revolucionárias empresas do mundo - que tiveram de mudar ou inventar indústrias para fazer do mundo o que ele é hoje - surgem as mais básicas formas de aculturação e motivação corporativa. E mesmo que pareçam estar a defender coisas em que sempre acreditei, não consigo disfarçar uma sensação de desconforto e usurpação.

É como se ao longos destes anos tivessem estado ocupados no que sabem fazer e que depois tivessem de ter tirado crash courses em equipas criativas e motivação e os estejam a colocar em prática demonstrando que não estão a pensar como sempre fizeram, mas sim a seguir o rule book (o antigo!).

O mais engraçado é perceber a organização de Cannes perfeitamente consciente do que está a acontecer e tentando amparar cada momento com a condescendência e a exagerada tolerância de quem integra o jovem novo rico numa família de dinheiro velho.

Mas ainda bem que fui a Cannes. A verdade é que Cannes nos entra no sistema: mesmo com toda a carga analítica e crítica que transporto sempre comigo é impossível sair de Cannes sem sermos afetados pelo que Cannes faz melhor - reunir uma indústria que é (sim, vai ficando) cada mais diversa, colocar em contacto pessoas brilhantes, inspirar, fazer rir, chorar, colocar tudo em perspetiva.

Cannes é tudo para quem quiser que seja tudo. Assistir à conferência da Wieden & Kennedy e a KFC e ao trabalho realizado pela agência pela marca é recordar as razões porque entrámos na profissão.


Ver o Vic Mensa explicar o que pode o branding aprender com o Hip Hop é keeping it real, é rever a realidade em que acreditamos.


Ou escutar o Johnny Marr e perceber que a melhor forma de branding é continuar a fazer o que fazemos melhor, respeitando o mais possível os princípios que nos levaram a fazê-lo em primeiro lugar.

Na verdade, foram três conferências acerca de exatamente a mesma coisa (o poder da originalidade, da autenticidade e da verdade das marcas) e onde a questão da social media ocupou o lugar que deve ocupar: o da media que nos permite hoje fazer o que antes não conseguíamos e não a resposta para todos os males das marcas.

Cannes é o local onde nos reencontramos com a profissão. Com o que não gostamos, com o aspeto competitivo da profissão e também com tudo o que nos seduziu e nos fez optar por fazer disto vida; mas também com tudo aquilo que nos elucida quanto à espuma dos dias e quanto ao que é estrutural, fundamental e que em 22 anos de carreira nunca vi um verdadeiro criativo negar. O poder das ideias não se limita com check boxes, nem com aculturações, nem com novos modelos de media ou políticas pioneiras que vão mudar a terra conforme a conhecemos – este poder expande-se continuamente como o universo, e com a inevitabilidade de pensarmos sempre o novo.

E por falar em novo, links e vídeos do que vi e gostei por lá. Ah!... E se puder, volto.


- https://www.adweek.com/brand-marketing/every-ad-is-a-tide-ad-inside-saatchi-and-pgs-clever-super-bowl-takeover-starring-david-harbour/


- https://www.adweek.com/creativity/kfc-responds-to-u-k-chicken-shortage-scandal-with-a-timely-fck-were-sorry/


- https://www.lovethework.com/signin?callback=/entries/500383


- https://youtu.be/v-ZhYyY1daw


- https://www.lovethework.com/signin?callback=/entries/508748


Pub
Horizontal Final do artigoHorizontal Final do artigo

Artigos Relacionados

fechar

A minha primeira vez

O melhor do jornalismo especializado levado até si. Acompanhe as notícias do mundo das marcas que ditam as tendências do dia-a-dia.

A enviar...

Consulte o seu email para confirmar a subscrição.

Li e aceito a política de privacidade.

A minha primeira vez

Fique a par das iniciativas da nossa comunidade: eventos, formações e as séries do nosso canal oficial, o Brands Channel.

A enviar...

Consulte o seu email para confirmar a subscrição.

Li e aceito a política de privacidade.

imagensdemarca.pt desenvolvido por Bondhabits. Agência de marketing digital e desenvolvimento de websites e desenvolvimento de apps mobile