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Podia ser apenas embirração da minha parte, mas na verdade tenho assistido a uma insatisfação generalizada por parte dos consumidores, relativamente ao atendimento que se pratica em Portugal. Será que estamos a viver uma era em que o mau serviço deixou de ser exceção para se tornar regra?
O que antes indignava, hoje, é aceite com resignação. Contact centers que não atendem, entregas que falham, serviços de saúde privados que não cumprem expectativas e tecnologias que se escondem atrás do chatbot.
Quem nunca tentou o contacto com a Uber Eats e sentiu que estava num labirinto de perguntas e respostas até desistir? Quem nunca sentiu que era apenas mais um cliente perante uma Amazon, Tesla ou Apple? Quem nunca ficou eternamente ao telefone com as operadoras de telecomunicações ou a TAP e desligou porque 50 minutos depois já não é razoável esperar mais? Quem nunca ficou tal e qual, como o meme do John Travolta num corredor da FNAC, a olhar em redor, à procura de uma alma que o atendesse? Quem nunca ficou à porta de casa à espera de uma entrega pela Paack e o que recebeu foi afinal uma mensagem que ninguém estava em casa? Quem nunca foi às urgências da CUF ou do Lusíadas a pensar que seria atendido mais rápido e afinal demorou tanto tempo como no SNS e ainda pagou por cima? Estes são apenas alguns exemplos de marcas que se habituaram a ignorar a falha no serviço. E o consumidor reage? Pouco. Porque já não espera melhor. Porque percebe que reclamar é custoso, moroso e, muitas vezes, inútil. A normalização do mau serviço está a corroer o ativo mais valioso das marcas: a confiança.
E os números não mentem.
O Portal da Queixa é a plataforma que mais regista reclamações em Portugal. São, anualmente, centenas de milhares relativas às categorias de entregas, energia, banca, telecomunicações, seguros, transportes e saúde privada, entre as mais problemáticas.
Em 2024, só a Amazon concentrou 32% das reclamações no Prime Day em Portugal, ligadas a falhas de entrega e problemas de reembolso. Por sua vez, a Uber Eats acumula queixas de pedidos não entregues, cobranças indevidas e apoio inexistente. Nos transportes aéreos, a TAP continua no topo das insatisfações, quer por falhas no serviço, quer pela perceção de impunidade. Nos grupos privados de saúde, como CUF e Lusíadas, o volume de reclamações aponta para uma tendência preocupante: o consumidor sente que paga mais, mas recebe menos. E estes não são casos pontuais. São padrões.
A nova psicologia do consumidor confirma que 11% dos portugueses que tiveram um problema com um bem ou serviço, efetuaram uma reclamação. Outros 10% nada fizeram, mesmo sentindo-se lesados. Apontou como conclusões o estudo “Consumer Conditions Survey” da Comissão Europeia. Ou seja, podemos afirmar que há um volume de insatisfação que não chega sequer a ser registado. E para isso há uma explicação simples: o consumidor não precisa reclamar quando pode simplesmente deixar de comprar.
Contudo, este fenómeno que é aparentemente silencioso, é devastador para as marcas. Porque um cliente que reclama ainda demonstra interesse em manter a relação e fornece uma enorme quantidade de insights de melhoria. A par que um cliente que desiste, desaparece em silêncio e leva consigo a sua confiança e recomendação. Dados do Eurostat apontam para perdas anuais no volume de faturação, na ordem dos 571 biliões, por conta da má reputação que deriva da baixa qualidade do atendimento.
Nesse sentido, é crucial admitir que há realmente um risco sistémico da normalização do mau atendimento. Porque quando os gestores aceitam como inevitável, que parte do serviço falhe, estão a institucionalizar a mediocridade. E os consumidores não perdoam. Até porque em bom rigor, estes pensam com a carteira, antes de pensarem com o coração, através do tal “amor” às marcas. A erosão da lealdade e fidelidade à marca dissolve-se rapidamente, quando a expectativa é gorada. Muitas vezes o consumidor até se mantém, mas descontente, e salta ao mínimo sinal de alternativa. Por isso, não é de admirar que essa má reputação seja amplificada em plataformas digitais como o Portal da Queixa e nas redes sociais, que expõem a falha de forma pública e permanente.
A confiança é o cimento da relação entre marcas e consumidores, mas a oportunidade de disrupção é enorme e basta surgir um concorrente que ofereça qualidade mínima e transparência para conquistar espaço rapidamente. Senão veja-se o que aconteceu com o setor dos Táxis, à entrada da Uber e o que poderá acontecer com esta, caso alguma marca crie um serviço de melhor qualidade.
É hora de parar de aceitar a narrativa do “faz parte”. Não faz. O consumidor português está mais digital, mais informado e mais exigente. A internet demonstra isso todos os dias.
Quem lidera marcas precisa de assumir compromissos imediatos, com os seus clientes. Responder e resolver é obrigatório na era digital. Não basta acusar receção. O consumidor quer resolução. É fundamental medir a reputação real, na perspetiva dos consumidores. Não a que as campanhas contam, mas a que se mede nas reclamações, avaliações e dados independentes. E finalmente, investir no serviço como vantagem competitiva. A confiança é hoje mais valiosa do que o preço. Quem servir melhor, conquista.
Não se enganem. O maior concorrente da vossa marca não é outra empresa. É a indiferença dos vossos clientes. A cada falha normalizada, a cada promessa não cumprida, estão a ceder terreno. E quando a confiança se perde, nenhuma campanha publicitária a resgata.
O futuro das marcas não se decidirá no marketing, mas na capacidade de prestar um serviço que não precise de desculpas.
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